A polêmica de Gilmar Mendes com os militares e o desgaste de Pazuello na Saúde em 3 pontos
Entenda por que aumentou a pressão por uma nova troca de comando do ministério no meio da pandemia de coronavírus Pressão pela saída do general Pazuello do comando do Ministério da Saúde aumentou.
PR
Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes criticar a militarização do Ministério da Saúde e o desempenho do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia do coronavírus, aumentou a pressão para que o ministro interino da pasta, o general Eduardo Pazuello, deixe a função. Se isso ocorrer, será a terceira troca no comando do órgão desde abril.
Segundo os dados oficiais, a covid-19 já contaminou quase 2 milhões de pessoas e matou mais de 74 mil no Brasil, números que podem estar subestimados devido à falta de testes suficientes no país para diagnosticar todos os doentes.
No sábado (11/07), Gilmar Mendes disse que há um “vazio” de comando no Ministério da Saúde e que o Exército estaria se associando a um “genocídio”.
“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas”, criticou, ao participar de um debate online promovido pela revista IstoÉ e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual é dono.
“É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, disse ainda Mendes, na ocasião.
A declaração gerou forte reação dentro das Forças Armadas e entre militares da reserva.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse que Mendes precisa se retratar pela fala, enquanto o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, entrou com uma representação contra o ministro do STF na Procuradoria-Geral da República, citando possível desrespeito à Lei de Segurança Nacional.
O Judiciário está em recesso e não há previsão de quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, analisará a representação.
Nesta quarta-feira (15), Pazuello tentou reduzir a temperatura da crise telefonando para Mendes. O ministro do STF disse à BBC News Brasil que foi uma conversa positiva e cordial, mas não entrou em detalhes.
Segundo a colunista do jornal Folha de S.Paulo Mônica Bergamo, a ligação foi por ordem de Bolsonaro, que tenta melhorar a relação com o Supremo.
Depois desse gesto de Pazuello, o presidente o elogiou em suas redes sociais. “Pazuello é um predestinado, nos momentos difíceis sempre está no lugar certo para melhor servir a sua Pátria”. O próprio Bolsonaro, porém, tem dito que o militar não ficará “para sempre” no atual posto.
Entenda a seguir em três pontos por que o Ministério da Saúde está sob comando militar, por que Pazuello provavelmente deixará o comando da pasta e o que explica a nova postura “paz e amor” de Bolsonaro com o STF.
A militarização da Saúde
Pazuello assumiu o comando do Ministério da Saúde interinamente no final de maio, após a saída de Nelson Teich, que, por sua vez, havia entrado no cargo após Luiz Henrique Mandetta se demitir da função em abril.
Bolsonaro apelou aos militares depois que os dois ministros civis, ambos médicos, se recusaram a referendar medidas defendidas pelo presidente para enfrentar o coronavírus que não têm comprovação científica, como o uso de cloroquina no tratamento da covid-19.
Assim que se tornou ministro interino, Pazuello alterou o protocolo do Ministério da Saúde para uso de cloroquina e hidroxicloroquina.
A nova diretriz passou a recomendar a aplicação dessas substâncias também para casos leves, dependendo de decisão médica.
Até então, a orientação da pasta era de uso da droga apenas em casos de média e alta gravidades — também nesses casos não há prova científica da eficácia da cloroquina, que pode provocar efeitos colaterias graves e até a morte.
Mas a influência militar na pasta começou antes, ainda na gestão Mandetta. Enciumado com a grande visibilidade que o então ministro ganhou no início da pandemia, Bolsonaro transferiu as coletivas de imprensa sobre o enfrentamento do coronavírus para o Palácio do Planalto – elas passaram a ser lideradas pelo ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto.
Depois, com a demissão de Mandetta e a entrada de Teich, Pazuello foi nomeado secretário executivo da pasta — escolhido pelo Palácio do Planalto, ele que passou de fato a gerir o Ministério.
Quando assumiu também formalmente o comando da pasta como ministro interino, a militarização se expandiu, chegando a 15 pessoas cedidas das Forças Armadas para ocupar cargos na pasta, inclusive posições de chefia.
O coronel Antônio Élcio Franco Filho se tornou o novo secretário-executivo, segundo cargo mais importante do Ministério. Já o atual secretário de Atenção Especializada à Saúde é Luiz Otávio Franco Duarte, também coronel.
O major Angelo Martins Denicoli foi nomeado diretor de monitoramento e avaliação do SUS (Sistema Único de Saúde), enquanto o tenente-coronel Reginaldo Machado Ramos está como diretor de Gestão Interfederativa e Participativa.
Esses militares, em geral, não têm qualquer experiência na área de saúde, mas substituíram profissionais técnicos nessas funções.
Eles costumam defender o uso da cloroquina, assim como criticam as medidas de isolamento social, outra bandeira cara ao presidente da República.
Martins Denicoli, por exemplo, compartilhou em abril uma informação falsa em seu perfil do Instagram, mostrou reportagem do portal Uol.
A postagem, apagada posteriormente, dizia que pesquisas comprovavam eficácia da cloroquina contra o vírus – o que nunca ocorreu.
Críticas crescentes podem derrubar Pazuello
Gilmar Mendes não é único a criticar a militarização da Saúde, o que tem aumentando a pressão pela saída de Pazuello.
“Ele é interino. Está há dois meses no cargo. Tudo indica que, em um momento próximo, o presidente vai substituí-lo”, disse o vice-presidente Mourão nesta terça-feira (14), em entrevista ao canal GloboNews.
O próprio Bolsonaro, na semana passada, elogiou o que seria um bom desempenho de Pazuello em “gestão”, mas reconheceu que ele não será efetivado no cargo.
“É um nome que não vai ficar para sempre, está completando três meses como interino e já deu uma excelente contribuição para nós”, disse o presidente.
As críticas à militarização do órgão vêm tanto de especialistas em saúde, que consideram um problema a pasta ter perdido gestores técnicos no momento em que o país atravessa a mais grave crise epidemiológica em um século, como de dentro das Forças Armadas, devido ao temor de que o fracasso dos militares no enfrentamento da pandemia fragilize a instituição.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, por exemplo, defendeu em junho que os militares que ocupam cargos no governo deveriam passar para a reserva das Forças Armadas, como ele, que foi ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro em 2019, quando já tinha saído da ativa.
Em abril de 2019, Mourão já antevia os riscos para a instituição, quando disse: “Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação”.
O ex-ministro Mandetta chegou a ironizar no sábado a suposta capacidade de gestão e logística dos militares usada por Bolsonaro para justificar sua atuação na pandemia. Segundo Mandetta, os militares que estão no Ministério da Saúde são especialistas em “balística” em vez de “logística”.
“Eu só vejo é acúmulo de óbitos nessa política que está sendo feita”, disse, durante o mesmo debate em que Mendes fez suas críticas aos militares na Saúde.
Bandeira branca ao STF
Desde o início do ano, Bolsonaro tem entrado em fortes crises com ministros do STF, seja por comparecer a manifestações que pediam seu fechamento, seja por criticar decisões da Corte, como a que impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para comandar a Polícia Federal.
Dessa vez, porém, ele preferiu não comentar as críticas de Gilmar Mendes, deixando os militares sozinhos na reação ao ministro.
A atitude menos beligerante ocorre num momento em que o presidente está desgastado pelo avanço de investigações contra o seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), suspeito de ter desviado recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro.
Está nas mãos de Mendes um recurso do Ministério Público que tenta reverter uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de trazer para si o andamento do caso, que antes corria na primeira instância da Justiça.
Além disso, Bolsonaro também enfrenta outras frentes de forte desgaste no STF, como os dois inquéritos que investigam a participação de aliados seus em redes de fake news (notícias falsas) e na organização de protestos antidemocráticos, ambos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes.
Já a investigação que apura se Bolsonaro interferiu na Polícia Federal, iniciada após Sergio Moro se demitir do Ministério da Justiça e Segurança Pública, está sob relatoria do ministro Celso de Mello.
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