Em livro, Luiz Schwarcz relata com franqueza sua luta contra a depressão
Tudo corria bem, a família se divertia em uma pista de esqui nos Alpes, quando veio a má surpresa: uma angústia tomou conta de sua respiração e de seu olhar, travando a garganta no momento em que mais precisava do ar. “Chegar ao cume naquela manhã, com os pulmões contraídos e sem ar, com um nó seco inexplicável na garganta, foi um choque, uma reversão completa do que eu imaginara ou sonhara por meses”, escreve Luiz Schwarcz logo no primeiro capítulo de O Ar Que Me Falta, livro agora lançado.
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Schwarcz é um dos maiores editores da história do mercado brasileiro, fundador (em 1986) e CEO da Companhia das Letras, trajetória iniciada na bem-sucedida passagem pela editora Brasiliense, uma referência na vida cultural nacional nas décadas de 1970 e 1980. Schwarcz é também um homem que sofre de depressão e bipolaridade há muitos anos, desde pequeno, e o livro é um testemunho corajoso e honesto sobre sua luta.
A decisão de escrever O Ar Que Me Falta (título inspirado em um dos sintomas dos momentos depressivos) nasceu justamente naquele momento nos Alpes e, de uma certa forma, englobou o projeto que Schwarcz alimentava havia anos: escrever sobre a história de seu pai, André, cuja trajetória foi marcada por um decisivo acontecimento – nascido na Hungria, ele estava em um trem que também transportava seu pai, Láios, e outros judeus para um campo de extermínio, durante a 2ª Guerra Mundial, quando, em um determinado momento, Láios (Luiz, em húngaro) conseguiu que André saísse do vagão. “Foge, meu filho, foge.”
O gesto que garantiu sua sobrevivência também se tornou um suplício para André, que sofreu em silêncio o resto da vida, entre agradecido ao pai e culpado por não tê-lo ajudado. A dor, de alguma forma, foi assumida por Luiz Schwarcz que, filho único buscou garantir a felicidade do pai e libertá-lo do silêncio por não expurgar a culpa que o aprisionava. Fracassou.
“Minha maior herança foi a responsabilidade sobre meus pais”, diz Luiz, cuja infância e adolescência foram marcadas pela insegurança e o peso da memória. Com isso, desenvolveu uma depressão bipolar que demorou para ser corretamente diagnosticada e cuja medicação errada resultava em crises de melancolia alternadas com momentos de plena fúria.
Para completar, a dificuldade da mãe, Mirta, em novamente engravidar (foram 10 abortos involuntários ao longo dos anos), agravada pela infidelidade do pai, obrigou-a a passar muitos momentos convalescendo na cama, período em que o solitário Luiz lhe fazia companhia e, como aproveitava o tempo para devorar livros, aos poucos desenvolveu sua futura e bem-sucedida vocação editorial.
Escrito com uma linguagem direta (influência de um de seus grandes incentivadores, o médico Drauzio Varella), o livro é francamente aberto, com Luiz não escondendo fatos que muitos prefeririam guardar no íntimo, como o despertar da sexualidade com prostitutas e as reações coléricas provocadas pela bipolaridade que, embora leve, provoca alguns momentos de descontrole. São com esses, aliás, que o editor conquista definitivamente a cumplicidade do leitor, momentos cruciais como quando gritou com uma funcionária da Companhia das Letras e, pior, quando se envolveu numa briga a socos, durante a Flip de 2019.
“Claramente perdi o controle e, nesses momentos, sinto um profundo arrependimento”, conta ele que, reação imediata, se desculpou com a funcionária e todos os demais empregados da editora e, no caso da Flip, divulgou uma carta aberta em que revelava ser um homem com depressão.
Ao longo da vida, Luiz passou 13 anos fazendo psicanálise e tomando antidepressivos e estabilizadores de humor. Se a criança se fechava no silêncio, o adolescente alienava-se no sono da tarde. Mas houve também momentos felizes, como as viagens que fez com a avó Mici ou a consagração na escola como goleiro – mais tarde, na sinagoga, se destacou, como o pai, pela voz afinada nos cantos e pelo poder de liderança, qualidade que lhe deu uma confiança até desenfreada para se destacar como editor, na Brasiliense e na Companhia das Letras. O mercado editorial mundial logo se impressionou com o talento do jovem brasileiro de cabelo enrolado e óculos à Harold Lloyd, nada suspeitando de que, intimamente, se tratava de um homem que escondia profundas cicatrizes na alma.
Vitórias e fracassos que Luiz Schwarcz descreve sem autocompaixão, buscando enfrentar uma doença psiquiátrica assim descrita pelo escritor Andrew Solomon, também com histórico de depressão: “Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição. É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo”.
Também escritor e ainda psiquiatra, o português António Lobo Antunes acredita, por outro lado, que a depressão é um ponto de partida da luta pela vida. No caso de Schwarcz, a publicação de um livro sem restrições, em que ele capturou e expôs suas mais ocultas sombras, é um sinal de vitória.
O AR QUE ME FALTA
Autor: Luiz Schwarcz
Editora: Companhia das Letras
200 págs., R$ 59,90 e R$ 39,90 (e-book)