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ANÁLISE: Bolsonaro, um olho na popularidade e outro na Faria Lima

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ANÁLISE: Bolsonaro, um olho na popularidade e outro na Faria Lima

Levou menos de 40 minutos entre o anúncio de um pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional de televisão e seu cancelamento, nesta terça, dia 2. Presidentes costumam se dirigir à nação em pronunciamento oficiais em raras ocasiões – apesar do chefe do Executivo fazer suas lives semanais e num tom bastante informal. Não está descartado um pronunciamento nesta quarta, dia 3, à noite — e nem confirmado, por enquanto.

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O vai-e-vem sobre a fala presidencial continua. Agora, o foco seria o fechamento da economia nos estados e municípios para conter o avanço da Covid-19, iniciativa em relação à qual o presidente é contrário. O governo de São Paulo deve anunciar nesta quarta um lockdown — o governo João Doria deve se pronunciar abertamente, mais uma vez, sobre a falta de coordenação da gestão federal no combate ao coronavírus. Cidades como Campinas já suspenderam o funcionamento do comércio.

Em meio ao pior momento na pandemia no país, que bateu o recorde de 1.726 mortes na terça, a temperatura aumentou com o anúncio do governo, na segunda, dia 1, à noite, da publicação do decreto que zera a cobrança do PIS/Cofins sobre o óleo diesel e o gás de cozinha. Para compensar a queda na arredação do PIS/Cofins, o governo optou pelo aumento da Contribuição Social sobre Lucro Liquido (CSLL) dos bancos de 20% para 25% e de cooperativa de crédito de 15% para 20%. A medida entrou em vigor imediatamente após a publicação do decreto — e provocou um rebuliço no mercado financeiro.

Na terça, a Bolsa de Valores caiu mais de 100 mil pontos e o dólar chegou a 5,69, preocupando os investidores. “Aparentemente, a ideia era que a fala do presidente ressaltasse a criação do decreto que zerou os tributos federais sobre o combustível, o que agradou os caminhoneiros, mas desagradou alguns setores da economia, como os bancos”, diz o analista politico André César, da Hold Assessoria, com escritórios em Brasília e São Paulo.

Na região da avenida Faria Lima, em São Paulo, que reúne boa parte das instituções financeiras do país, o clima é de tensão. “O mercado não esperava que o presidente fosse optar por aumentar a CSLL”, diz Guilherme Braidotti Filgueiras, líder de Novos Negócios da LacLaw Consultoria Tributária.

Em Brasília, comenta-se nos bastidores que o teor do pronunciamento do presidente teria o potencial de irritar ainda mais os faria limers, prestes a começar a bater panela por causa do aumento da CSLL. “Alguns segmentos econômicos já vinham fazendo pressão no governo para aliviar a penúria pela qual estão passando desde o início da pandemia e a conta acabou sobrando para o setor financeiro, que não fez tanto barulho”, diz Filgueiras.

Ao mesmo tempo, Paulo Guedes, ministro da Economia, resolveu sair a público, no início da semana, para colocar os pingos nos is. “Se tiver que empurrar o Brasil para o caminho errado, prefiro sair”, disse em um podcast que foi ao ar nesta terça. Segundo fontes próximas ao governo, a equipe econômica teria aconselhado o presidente a não provocar as instituições financeiras, já suficientemente irritadas com o aumento da CSLL.

“Os faria limers estão prestes a começar a bater panela”, diz César. Para compensar o desagrado que certamente viria na Faria Lima, Bolsonaro teria agilizado a entrega dos projetos de lei que abrem caminho para a privatização dos Correios e a Eletrobras, na semana passada — ambos, no entanto, dependem de aprovação no Congresso.

Novas batalhas

Bolsonaro também terá que lidar com a insatisfação da indústria química. Algumas matérias-primas, como as resinas, bastante utilizada pelo setor, contavam com isenção do PIS/Cofins, que deixou de existir com o o decreto publicado na noite de segunda. “Reequilibrar os impostos federais para poder acomodar a isenção sobre o combustível é uma equação bem complexa e alguns mercados acabaram sendo afetados”, diz Filgueiras.

As indústrias químicas devem se organizar para contestar o fim da isenção dos impostos federais sobre as matérias-primas, promovendo ações junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“O presidente atende demandas de grupos, como os caminhoneiros, e não a nação como um todo, que passa por um dos mais graves momentos da história com o recrudescimento da pandemia”, analisa Cila Schulman, jornalista e vice-presidente do IDEIA, instituto de pesquisa especializado em opinião pública. “A comunicação do Palácio do Planalto acaba sendo bastante errática, inclusive com o vai-e-vem que estamos assistindo, pela falta de uma consistência sobre o caminho a ser seguido, seja na economia ou em relação ao coronavírus”.

Caso o presidente persista na intenção de se dirigir à nação, a expectativa agora é que ele também fale sobre o resultado do PIB de 2020, que caiu 4,1%. O desempenho econômico do país não chega a ficar muito longe do projetado, embora representa o pior tombo desde o início da série histórica, em 1996.

“A manutenção da política monetária em terreno acomodatício (juros básicos ainda baixos), a expansão da vacinação, a consolidação fiscal (melhora nas contas públicas) e a continuidade das reformas estruturais possibilitarão a elevação da confiança e maior vigor da atividade ao longo do ano”, disse o Ministério da Economia em nota nesta quarta.

O governo mantém a previsão de crescimento do PIB de 3,2% este ano, apesar do atraso na campanha de imunização, o avanço da covid e de novos fechamentos da economia em estados e municípios. “É do feitio do presidente empurrar a conta para outros entes, como os governadores, e talvez os brasileiros assistam a um pronunciamento com essas características nos próximos dias”, avalia César.