Fintechs avançam e incentivam bancos a pensar ‘fora da caixa’, diz Moody’s
Economia em expansão, incentivo à competição para redução de custos, informações abertas para compartilhamento e grande apego do brasileiro aos dispositivos digitais – 440 milhões de notebooks, celulares e tablets em uso no país – orientam a expansão das fintechs e mobilizam os bancos tradicionais a pensar ‘fora da caixa’ para benefício de clientes e maior inclusão financeira. O momento é ímpar porque o sistema bancário no Brasil passa por uma revolução. O open banking, que chega à segunda etapa de implementação na sexta-feira, 13, é um marco. E não deve ser ignorado.
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Há cerca de um mês, o Banco Central (BC) acolheu o pedido de representantes do setor que indicaram não haver tempo hábil para cumprir todas as especificações necessárias para a fase atual do open banking que trata, efetivamente, do compartilhamento de dados de clientes. E o BC adiou para a sexta, dia 13, mais um passo da adoção do sistema.
“No atual estágio de implementação, talvez o open banking não faça grande diferença para o cliente bancário. Contudo, já vai fazer diferença para as instituições, uma vez que não haverá mais o domínio de informações por apenas cinco ou seis bancos. O acesso aos dados – desde que autorizado por clientes – abrirá possibilidades infinitas aos usuários do sistema financeiro. E, ao longo do tempo, as informações terão o papel de um imenso cadastro positivo que colocará o cliente no centro da estratégia das instituições”, avalia Ceres Lisboa, diretora gerente assistente da Moody’s Investors Service para Bancos na América Latina.
Ao EXAME IN, em entrevista em que detalha o relatório sobre fintechs, bancos e o avanço do open banking que assina com o analista Vincent Detilleux, a especialista da Moody’s avalia que o open banking terá, no país, implementação mais rápida do que ocorreu na Inglaterra e Austrália, inclusive, “porque a sociedade brasileira é mais adaptável e aceita a tecnologia com mais confiança”.
A chegada do open banking foi precedida, porém, de uma expansão expressiva de fintechs, coroada com o lançamento do Pix, plataforma de pagamentos instantâneos do BC, que compõe o cenário revolucionário do sistema brasileiro. As fintechs tiveram crescimento vigoroso no país nos últimos cinco anos, quando passaram de 54 para 689 com forte presença em meios de pagamento. Gradualmente, as fintechs vão ter penetração relevante no crédito. Segundo a Moody’s, há espaço para isso. Atualmente, apenas 16,5% do total das fintechs têm essa especialidade, mas atuam sobretudo em nichos. “As fintechs menores e voltadas a segmentos específicos continuarão existindo, mas são os neobancos – digitais de nascimento ou que se transformaram em instituições totalmente digitais – é que vão brigar pelos clientes dos grandes bancos tradicionais”, afirma Lisboa.
Contudo, pondera a diretora da Moody’s, essa expansão não ocorrerá sem um aperto na regulação. Ela lembra que, por ora, a regulação é proporcional ao tamanho das fintechs que não oferecem risco sistêmico ao mercado. Entretanto, a regulação avançará em um tempo que, reconhece a especialista, é de difícil previsão. De certo, pontua Ceres Lisboa, as fintechs fomentam neste momento uma competição sobretudo tecnológica. Contar com uma regulação isonômica, entre fintechs e grandes bancos, pode ser decepcionante enquanto as fintechs não oferecerem risco. A regulação do BC tende a apertar, em algum momento adiante, quando essas instituições começarem a assumir riscos de crédito, riscos de mercado e riscos operacionais. “Com essa evolução, a exigência de capital tende a ser maior e os controles serão mais complexos.”
Foco no cliente
A transformação do sistema financeiro com o fortalecimento das fintechs e bancos digitais, porém, é inegável. Historicamente, relata a diretora da Moody’s, os bancos não revelam preocupação particular com clientes e sim com resultados, mas isso está mudando. “O foco sempre foi o resultado por produto. Mas agora, os grandes bancos, além de remodelarem os seus negócios como reação às inovações digitais, também estão atentos aos clientes”, informa Lisboa para quem as mensagens das instituições ainda não são muito claras. “Contudo, os bancos estão obcecados com a experiência dos clientes e devem trazer para dentro dos aplicativos novos serviços. Na prática, o esforço é para reter os clientes que acabarão tendo compensações de serviços eventualmente um pouco mais caros por descontos em outras modalidades de serviços, como descontos em taxas de administração de fundos”, comenta.
Maior competição entre fintechs, bancos digitais e bancos tradicionais será um desafio quanto à rentabilidade desses últimos, “mas não vemos os bancos perdendo rentabilidade a ponto de ser comparável ao retorno de bancos globais. A concorrência levará, entretanto, a menor rentabilidade com um novo perfil de cliente. Para as fintechs também haverá desafios a enfrentar. No futuro, uma regulamentação mais complexa e que vai considerar também o fato de algumas instituições digitais já serem grande o bastante quando comparadas aos bancos tradicionais”, avalia Ceres Lisboa que cita nesse grupo Nubank, PicPay e XP.
No relatório, divulgado no fim da semana passada, a agência internacional de classificação de risco de crédito destaca que Nubank e PicPay Serviços – empresa controlada pelo Banco Original – encerraram o primeiro semestre desde ano com 40 milhões e 50 milhões de clientes, respectivamente, bases que muito se aproximam dos maiores bancos de varejo brasileiros. A Moody’s não entra no mérito se essa clientela é ativa ou não. E recorda que, no fim de junho deste ano, o Santander Brasil reportou 50 milhões de clientes; o Itaú Unibanco, 56 milhões; o Bradesco, 71 milhões em março deste ano; e o Banco do Brasil, 75 milhões também ao final do primeiro trimestre.
A Moody’s acrescenta que uma das mudanças observadas no mercado brasileiro é o fato de grandes bancos continuarem a se afastar de modelos tradicionais de negócios, acelerando programas de inovação que começaram como incubadoras de fintechs e, em alguns casos, com a criação de bancos digitais separados das estruturas originais – caso do Bradesco com o Next. Outras instituições, informa o relatório, concentraram-se em complementar operações de nicho com um ecossistema financeiro online universal mais completo. Segundo a Moody’s, esse é o caso do banco de investimento tradicional BTG Pactual (do grupo que controla a EXAME).
De volta à entrevista ao EXAME IN, Ceres Lisboa, diretora gerente assistente da Moody’s para Bancos na América Latina, pondera que a evolução das mudanças que vêm ocorrendo no sistema financeiro doméstico dependerá, em parte, da recuperação da atividade econômica. E avalia que mesmo que a economia brasileira não tenha um crescimento tão forte em 2022, num prazo um pouco mais longo e com estabilidade sobretudo da taxa de juros, a ‘pizza’ [de serviços prestados e novos entrantes] aumentará. “Não necessariamente a rentabilidade dos bancos tradicionais aumentará, mas o retorno será melhor distribuído e isso leva em conta também maior inclusão financeira.”
Riscos cibernéticos
A Moody’s Investors Service avalia que a indústria bancária no Brasil continua consciente de que a ampla partilha de dados dos clientes aumenta o risco de fraude e violação de dados e lembra que a confiança dos consumidores é particularmente relevante nos serviços financeiros. O relatório da agência lembra que a regulamentação de cibersegurança foi implementada no país em 2018 e que as violações que ocorreram no passado em outros sistemas bancários levaram as instituições brasileiras a intensificar os controles e governança em torno do assunto. Esse movimento foi observado nos últimos três anos – período em que o Banco Central estava trabalhando nas diretrizes que norteiam o open banking.
A agência internacional de rating avalia que o Banco Central do Brasil estruturou o sistema bancário com vários níveis de proteção da informação dos clientes e estabeleceu regras claras em torno das responsabilidades dos participantes. E acredita que a supervisão regulamentar também será rigorosa. A Moody’s lembra que as entidades não regulamentadas [pelo BC] que decidam participar do open banking terão de estabelecer uma parceria com “instituição regulamentada”, que será responsável pelo participante não regulamentado. Portanto, que está fora da jurisdição do Banco Central.
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