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Como a Somos quer transformar escolas em laboratórios de análise de dados

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Como a Somos quer transformar escolas em laboratórios de análise de dados

Quando a pandemia começou, a Somos, um dos principais grupo de educação básica do país, precisou colocar todos os funcionários no time de atendimento. De um dia para o outro, o trabalho de diversas equipes mudou, para os profissionais da frente de vendas, por exemplo, habituados a ir a 1.000 escolas todos os dias, as portas para bater estavam fechadas.

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O recém ampliado time de atendimento tinha uma missão: ajudar no suporte de usuários do Plurall, um software desenvolvida pela Somos originalmente para ser usado no contraturno escolar. Em 19 dias, o Plurall foi ampliado e transformado em uma plataforma de ensino à distância completa: passou a permitir montar, gravar e dar aulas ao vivo. “Foi um esforço de guerra. Colocamos todo mundo como equipe de suporte para atender escolas, pais, professores e alunos que tivessem alguma dificuldade”, conta Mario Ghio, presidente da Somos, que contou parte dessa trajetória em entrevista à EXAME.

O número de usuários do Plurall saiu de 400.000 para mais de 1,3 milhão no ano passado e redefiniu os esforços e focos da companhia em termos de venda, marketing e tecnologia. Depois que a plataforma foi o 2020 da Somos, a empresa fechou parcerias para que o crescimento continuasse em 2021. Junto da fabricante de computadores Lenovo e do Google, a empresa passou a oferecer às escolas o learningbook, um notebook para ensino, que permite à escola e aos professores acompanhar o aluno, ministrar aulas e prover material didático e exercícios; aos alunos é possível realizar atividades, assistir às aulas e até participar de conteúdos extras. No atual ano letivo, 21.000 alunos de 100 escolas receberam os computadores.

De acordo com Ghio, a parceria para prover o computador  nasceu da necessidade e de uma premissa errada: como a Somos atende escolas particulares, considerou que o gargalo de tecnologia não seria uma constante. Mas, com mais gente em casa, faltaram computadores para todo mundo trabalhar e estudar. “Inúmeras vezes fomos acionados por famílias dizendo que um filho estava no celular, enquanto o outro usava o computador”, disse. Em abril do ano passado, o cenário já era claro e a companhia iniciou o desenho de uma parceria que pudesse solucionar o problema.

A demanda no varejo e ampliação dos escritórios em casa se refletiu nos números do mercado de computadores, que teve crescimento em 2020. De acordo com dados da consultoria IDC, a venda de computadores, entre desktops e notebooks, cresceu 6% no Brasil, somando 6,3 milhões de unidades no ano. Só os notebooks correspondem por 5 milhões do total. O preço médio do notebook terminou o ano passado em 4.299 reais, alta de 23,5% ante o trimestre anterior.

A parceria entre a Somos, Lenovo e Google permite que o computador seja produzido e personalizado para o ensino. A Lenovo fabrica as máquinas, o Google estabelece software e sistema operacional, e a Somos entra com o programa de ensino. Os aparelhos são entregues aos alunos de escolas como Anglo, PH e outras parceiras da Somos em um modelo de assinaturas que pode turar até 3 anos, com parcelas amortizadas pela Somos. Por isso, os learningbook são entregues aos alunos do primeiro ano do ensino médio e primeiro ano do ensino fundamental II, que teriam mais tempo de uso das máquinas e de adaptação à novidade.

O material didático é enviado através do Plurall, ainda que algumas escolas optem por um modelo híbrido, em que há envio de material de suporte impresso. Após 3 anos, as máquinas são substituídas por modelos mais novos. Como a parceria envolve o desenvolvimento do software e a fabricação, os computadores têm limites de acesso que impedem o uso para atividades “não educacionais”, digamos. Todo o sistema é feito para se acomodar às necessidades das escolas, inclusive aquelas que optam por modelos semi-presenciais durante a pandemia.

O foco no Plurall mudou também a maneira da Somos de fazer negócio. Sem a força de vendas visitando escolas, a empresa optou por alterar a compra da plataforma e apostou no modelo “freemium”: as escolas acessaram o Plurall por 3 meses gratuitamente e, se gostassem, poderiam fechar um pacote de compra para 2021 e ganhar o restante de 2020. Segundo Ghio, a abordagem rendeu 8 vezes mais retorno em fechamentos de contratos do que a estratégia habitual de vendas. Com foco numa plataforma, a Somos passou a incorporar jargões e métricas comuns ao mercado de software: experiência do usuário, times ágeis, disponibilidade do sistema e medidores como o Net Promoting Score (NPS), que indica a probabilidade de um usuário indicar o conteúdo para alguém.

Learningbook, desenvolvido pela Somos, Google e LenovoSomos Educação/Reprodução

A iniciativa de prover computadores para alunos da educação básica não é nova, nem exclusiva de Somos, Google e Lenovo. Em 2005, uma iniciativa sem fins lucrativos chamada One Laptop Per Child (OLPC, Um Laptop Por Criança, em tradução livre) previa fabricar máquinas robustas e baratas, que poderiam funcionar até mesmo com o giro de uma manivela. Era para ser o computador que iria salvar o mundo: permitiria que, ao custo de 100 dólares por unidade, governos e instituições garantissem acesso à tecnologia e à internet para crianças de países pobres e emergentes. O acesso abriria horizontes e ampliaria o ensino.

O OLPC afundou em meio à ascensão do que ficaram conhecidos como “netbooks” — computadores superleves e compactos que se popularizaram no início dos anos 2000 —, dificuldades de firmar parcerias para fabricação, custo de produção e software desenvolvido internamente, longe da realidade tecnológica de muitos países. Entraves com governos entraram no rol dos problemas: muitos não queriam apenas comprar computadores para crianças do ensino público, mas exigiam uma contrapartida de fabricação em território nacional.

Mas há uma diferença entre o que a Somos está fazendo e iniciativas do passado que tentaram digitalizar o ensino. “Ninguém conseguiu fazer isso no passado porque não existia um ecossistema que agregava valor à educação. O computador é apenas um elemento, o restante tem que estar pronto. Não era uma experiência digital completa”, afirma Ghio, que está há 33 anos no mercado de educação e viu a ascensão e queda do OLPC e outros modelos.

De acordo com o executivo, o objetivo não é vender computadores, como as iniciativas do passado, mas criar um sistema educacional que possa colher e utilizar dados e aplicá-los ao ensino. “Eu comecei a minha carreira lecionando química no cursinho. Hoje é possível olhar para o desempenho de cada um dos 1.500 alunos de uma turma de cursinho, se estão fazendo as tarefas, se estão fazendo e errando, se estão pedindo ajuda após os erros. Essa revolução digital é o que de fato nos interessa para trazer valor para cada um dos alunos”, disse.

Com o ensino acontecendo em um ambiente digital, é possível fazer o acompanhamento de cada um dos alunos com maior precisão, afinal, existem mais dados disponíveis e todos eles podem ser centralizados e analisados pela escola e professores. Para Ghio, a oportunidade é de transformar a escola, de um reduto baseado em percepções, para um ambiente baseado em dados. Em um ano, o Plurall — que permite aos estudantes se dedicarem a um assunto de interesse e às escolas reconhecer essa dedicação — dobrou a quantidade de medalhistas de olimpíadas escolares dentre alunos que utilizam os materiais da Somos.

O executivo espera que a coleta e análise de dados tenha impacto até em como a escola se comporta em relação aos alunos, deixando de focar apenas nos muito bons e nos muito ruins. “A tecnologia vai permitir que a escola cumpra sua promessa, que ela olhe para cada um dos alunos”.