Neurofinanças: a ciência que busca desvendar o cérebro para ficarmos mais ricos (e felizes)
No mundo dos negócios, podemos ser consumidores, investidores, clientes — mas sempre humanos, portanto, com emoções. E há especialistas se debruçando justamente sobre questões comportamentais na área das finanças. Nossas decisões têm sempre um elemento emocional — e com as finanças não é diferente
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Ganhar US$ 100 pode deixar muitas pessoas felizes, mas perder US$ 100 pode provocar uma emoção ainda mais forte do que alegria.
Esse é o exemplo escolhido por Arman Eshraghi, professor de Finanças e Investimentos da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, para explicar o que ele e colegas já observaram no cérebro, por meio da ressonância magnética, quando o assunto é dinheiro.
“As perdas desencadeiam uma maior atividade em áreas do cérebro associadas a emoções negativas do que ocorre nos polos de prazer quando há lucro”, explica Eshraghi.
Embora, por motivos óbvios, o cérebro sempre tenha sido um tema de estudo da área médica, nas últimas décadas pesquisadores de economia e finanças também têm se interessado por ele, buscando respostas sobre nosso comportamento como investidores a consumidores.
Nasceu, então, a área das neurofinanças.
O que ela já descobriu? E, talvez mais importante: como ela pode nos deixar mais ricos — ou mais felizes?
A carga emocional
Por mais que tentemos fugir disso, a natureza humana implica que cada escolha, mesmo que aparentemente racional, contém um elemento emocional.
“Isso é verdade para todos os tipos de decisões e se aplica particularmente às financeiras. Especialmente quando se decide por um investimento, a promessa oculta de enriquecimento tem um forte elemento emocional”, explica o professor Eshraghi.
“Mesmo os gerentes financeiros mais experientes podem tomar decisões que não são baseadas apenas no pensamento racional.”
Há, então, alguma forma de lidar melhor com esta nossa natureza?
“As melhores decisões financeiras geralmente são feitas através do pensamento lento, cuidadoso e analítico, em vez de por meio de um sentimento rápido e indutivo”, descreve o professor.
Evidentemente, não é possível eliminar as emoções — mas parte da solução é estar ciente delas.
Por exemplo, “quando os mercados financeiros estão voláteis, geralmente é melhor ‘ficar de fora’ e parar de olhar para as telas”.
A razão é que a “fiação” de nossos cérebros reage a contextos instáveis mais emocionalmente do que analiticamente.
Mesmo em situações mais rotineiras, porém, o “Tico e o Teco” podem se embolar.
Por exemplo, algumas pessoas têm preferência por marcas e empresas conhecidas e, na hora de investir ou comprar, “isso pode levar à falta de diversificação, o que eventualmente impede uma estratégia financeira sólida”.
Há também um fenômeno observado entre alguns investidores e batizado por psicólogos de “ancoragem”: a tendência de se ater a números aleatórios.
“Mesmo informações aparentemente inócuas podem chegar ao nosso subconsciente. Por exemplo, os investidores podem se ancorar aos preços existentes de uma ação e, quando há novidades (que impactam nestes preços), alguns demoram a reagir e a atualizar os níveis registrados anteriormente”, conta Eshraghi.
Somos mais que lógica
Daniel Kahneman é o autor do livro Rápido e devagar: duas formas de pensar, onde argumenta que nossa mente tem dois sistemas que influenciam a maneira como tomamos decisões.
Enquanto o Sistema I é constituído pelo intuitivo, pelo instintivo e inconsciente, o Sistema II diz respeito ao analítico, ao consciente, ao lógico.
Embora seja um psicólogo influente, Kahneman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2002 por seu trabalho pioneiro, junto com Amos Tversky, sobre o elemento irracional na tomada de decisões.
Na verdade, ambos foram os primeiros a identificar a aversão à perda.
Kahneman desafiou a corrente tradicional do pensamento econômico que considerava as pessoas como predominantemente racionais, lógicas e egoístas. Ele lançou, portanto, as bases da economia comportamental.
Dicas de um Nobel
Por que tomamos decisões ruins sobre dinheiro (e o que podemos fazer a respeito) é o título de um vídeo no site Big Think no qual Kahneman faz preciosas recomendações.
“Para certos tipos de decisões, você precisa de habilidades matemáticas. As pessoas que as possuem têm uma vantagem significativa sobre as que não as têm.”
“Compreender os juros compostos faz uma grande diferença, quer você pegue um empréstimo com cartão de crédito ou tenha uma poupança.”
Ele também fala sobre a importância de ter uma perspectiva ampla sobre o que está acontecendo e evitar reações emocionais excessivamente fortes aos acontecimentos.
Busque orientação
Publicado no site do Instituto CFA (que emite uma prestigiada certificação para analistas financeiros), um artigo de Kahneman afirma também que “tendemos a superestimar nossas chances de sucesso, especialmente na fase de planejamento.”
Quando algo não vai bem, procuramos uma explicação — buscando a sensação “de que aprendemos algo e que não vamos cometer um erro novamente”, diz Kahneman.
Mas talvez uma relação de causa e efeito não explique o que aconteceu.
“O que você deve aprender é que foi surpreendido de novo. Você deve aprender que o mundo é mais incerto do que você pensa.”
Outro aspecto que o Nobel recomenda evitar é o arrependimento, pois este é “o maior inimigo da tomada de decisões nas finanças pessoais”.
Ele também convida as pessoas a cultivar a curiosidade e a procurar um consultor. O melhor conselheiro é “uma pessoa que gosta de você e que não se importa com seus sentimentos”, ele diz.
E quando você estiver prestes a tomar uma decisão importante: vá devagar.
A importância da margem de erro
Ser flexível e se adaptar a novas circunstâncias também é fundamental ao tomar decisões relacionadas ao dinheiro.
Morgan Housel é o autor de The Phychology of Money (“A Psicologia do dinheiro”) e também destaca como é importante se abrir para os erros.
“Muita dedicação a uma meta, um caminho, um resultado, é invocar o arrependimento, uma vez que somos tão suscetíveis a mudanças”, escreveu ele no blog com o mesmo título de seu livro.
“As pessoas subestimam a necessidade de uma margem de erro em quase tudo o que envolve dinheiro.”
Segundo o especialista, isso se deve “à ideia de que sua visão de futuro é correta, movida pela sensação do incômodo que vem de admitir o contrário”.
Mas isso causa “danos econômicos”, porque atrapalha melhores decisões.
Housel também argumenta que a margem de erro é mal compreendida, “muitas vezes vista como uma forma de proteção conservadora, acionada por quem não quer correr muito risco ou não confia em suas opiniões”.
“Mas, quando usada de maneira adequada, é o oposto. A margem de erro permite que você aguente, e essa resistência o faz permanecer tempo o suficiente se expondo a chances de se beneficiar de um resultado que, de outra maneira, teria baixa probabilidade de ser favorável.”
E, em muitos casos, ter lucro também é questão de tempo.
“Descobri que, ao tomar decisões financeiras, é útil lembrar constantemente que o objetivo de investir é maximizar os retornos, não minimizar o tédio. A chatice é perfeitamente normal, ela é boa. Se você quiser definir isso como uma estratégia, lembre-se: a oportunidade está onde os outros não estão, e os outros tendem a ficar longe do que é entediante.”
O que os milionários fazem
William Leith é jornalista e autor de The Trick: Why Some People Can Make Money and Other People Can’t (“O truque: por que algumas pessoas podem ganhar dinheiro e outras não”).
Sua pesquisa o levou a mergulhar no mundo de alguns milionários.
“As pessoas que entrevistei, que ficaram ricas de alguma forma, desenvolveram uma compreensão do que era o risco e como, com frequência, ele é contrário à intuição.”
“Isso é essencial”, diz ele à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), acrescentando que as pessoas bem-sucedidas passaram por vários erros, aprenderam com eles, mudaram e seguiram adiante.
“E a cada vez elas se aproximaram um pouco mais de como as coisas funcionam” até se tornarem “as poucas pessoas que têm sucesso”.
“A verdade é que todo mundo desistiria muito antes porque são (sequências de) falhas, falhas e falhas. A maioria das pessoas simplesmente não aguenta.”
Leith destaca também um atributo que Kahneman havia antecipado: a curiosidade.
“Se você quer começar um negócio, você tem que ver o que está acontecendo e o que está mudando. Você tem que descobrir por si mesmo”, porque os livros vão mostrar “o mundo que existiu ontem”.
“Pense por si mesmo: como posso melhorar isso? É assim que as pessoas têm sucesso.”
Como reagir
Joselyn Quintero, assessora financeira especializada em psicologia financeira e neurofinanças, aponta para exemplos de experiências bem-sucedidas na pandemia de coronavírus.
Alguns empresários conseguiram encontrar oportunidades em meio a circunstâncias muito difíceis porque, como aponta Leith, pararam para observar o que estava acontecendo.
“Se você pergunta a alguém de finanças: ‘No meio disso tudo, o que você faria?’, essa pessoa vai falar de corte de despesas. A tendência é minimizar os riscos ao máximo”, diz Quintero.
“Nos tornamos pessoas não apenas avessas ao risco, mas também obsessivas pela certeza. Não nos mexemos se não tivermos garantias de que as coisas vão dar certo.”
“Isso significa que quando você se depara com uma situação que não tem como controlar, a tendência é se retrair, se fechar.”
E, muitas vezes, isso nos impede de ver as oportunidades que existem.
O novo paradigma
Quintero menciona outra característica pessoal importante: a autoestima.
“Trata-se de saber que você pode estar fazendo algo que não necessariamente vai agradar algumas pessoas. A certeza é você. É a única garantia que você tem, em vez de buscar a certeza (fora).”
A especialista lembra também que vivemos em um período dinâmico, muito devido aos avanços tecnológicos e à internet — o que também vem acompanhado de mudanças culturais.
Segundo ela, enquanto a geração dos baby boomers tendia a trabalhar em algo que não gostava para ganhar dinheiro, as gerações mais jovens têm uma mentalidade contrastante.
“Faço o que gosto porque ganho dinheiro fazendo isso. A partir daí, construo um modelo de negócios que serve à sociedade, mas que é fundamentalmente parte de mim.”
“Quando você fala com uma pessoa de 25, 27 anos, a probabilidade de ela gerar dinheiro é mais evidente do que uma pessoa da minha geração, que nasceu há 40, 50 anos, ou seja, a possibilidade de ganhar mais gastando menos tempo já é uma narrativa geracional.”
Uma abordagem complementar
Quintero defende que as neurofinanças, em comparação ao pensamento tradicional do mundo dos negócios, conseguem ser mais flexíveis a particularidades das pessoas e do ambiente.
“Em vez de dizer a uma pessoa o que fazer, começo a entender o que ela está fazendo”, a partir daí criando um plano de ação que “tem mais a ver com aquele indivíduo — suas aspirações, desejos —, e não aquele que o enquadra em uma fórmula pré-estabelecida”.
E, nessa abordagem, aparecem vários fatores que explicam por que existem pessoas com mais dificuldade em tomar boas decisões financeiras.
Alguns ficam “paralisados” porque estão superpreparados e outros pelo contrário, porque “não estudaram na universidade, o que os faz sentir menos inteligentes” — quando inteligência “é, na verdade, a capacidade de aprender com o que está acontecendo, ajustar-se e melhorar”, defende Quintero.
“A paralisia da análise”, explica ela, é frequentemente vivida por pessoas altamente analíticas: “Estou sem o último relatório, o gráfico mais recente, a última atualização. É como se a mente analítica tivesse tomado essas pessoas.”
Pessoas assim, segundo a especialista, têm a tendência de tomar decisões considerando “os outros”.
Por isso, enquanto nas finanças tradicionais se busca a maximização dos lucros, nas neurofinanças fala-se em “retornos satisfatórios”, completa.
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