Pazuello diz que ministério tinha protocolo com cloroquina para grávida com Zika; especialistas rebatem
Pesquisadores que enfrentaram o Zika desconhecem orientação e afirmam que só houve estudos. ‘Foi tudo projeto de pesquisa. No caso da chikungunya, chegou à fase de ensaios clínicos, mas a cloroquina não entrou em protocolos do Ministério da Saúde’, diz o infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda. VÍDEO: Pazuello fala sobre uso da cloroquina para tratar zika e chikungunya
Em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (19), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que a cloroquina integrou protocolos do Ministério da Saúde em 2016, durante a epidemia de Zika Vírus, com orientação para ser usada em grávidas.
“Em 2016, na crise do zika vírus, ela foi utilizada e foi colocada como protocolo pelo Ministério da Saúde, cloroquina em altas doses – isso para grávidas.” , disse o ex-ministro Eduardo Pazuello.
A afirmação foi feita em resposta aos questionamentos dos senadores sobre o documento do Ministério da Saúde que orienta médicos a usarem cloroquina até mesmo em casos leves e graves de Covid-19. A cloroquina já teve a ineficácia comprovada contra a Covid-19 e o uso do medicamento e sua prescrição é investigada pelos senadores.
O que é #FATO ou #FAKE nas declarações do ex-ministro
Compare o que disse Pazuello hoje e o que ocorreu na sua gestão
O ex-ministro citou ainda que, na crise da chikungunya, o ministério também criou protocolos que indicavam o remédio. O G1 entrou em contato com o Ministério da Saúde para obter a confirmação sobre a existência dos protocolos tanto para o Zika Vírus quanto para o chikungunya. Até a mais recente atualização desta reportagem, não obteve retorno.
Funcionários que trabalhavam na pasta à época e especialistas nas duas doenças foram ouvidos pela equipe de reportagem. Além disso, o G1 fez buscas em acervos públicos do Ministério da Saúde. Tanto os especialistas quanto a busca pelo uso da cloroquina não confirmam a afirmação de Eduardo Pazuello.
Há referências sobre pesquisas e estudos relacionados, mas não foi localizado protocolo com orientações para o uso do medicamento. No caso da chikungunya, há referência nos arquivos do Ministério da Saúde a um documento classificado como “preliminar” que cita o uso da hidroxicloroquina como uma alternativa ao metotrexato por ter efeitos antinflamatórios no controle da artrite e da dor musculoesquelética.
Veja o que disse Pazuello:
“A gente não precisa botar um monte de fantasmas em cima desse assunto – ele é simples. O Brasil usa cloroquina há 70 anos. A cloroquina é um antiviral e um anti-inflamatório conhecido pelo Brasil – ela é antiviral e anti-inflamatória, ela tem ações antivirais e anti-inflamatórias (…) por exemplo, em 2016, na crise do zika vírus, ela foi utilizada e foi colocada como protocolo pelo Ministério da Saúde, cloroquina em altas doses – isso para grávidas. Na crise da chikungunya, em 2017, o Ministério da Saúde criou protocolos para uso da cloroquina – eu tenho todos eles, eu tenho todos eles – em altas doses. Então, são duas posições bem claras., disse Pazuello.
Especialistas rebatem o ministro
Um servidor que ocupou posições de destaque na pasta e que está no governo desde a epidemia de Zika Vírus afirmou ao G1 desconhecer tal protocolo. “Não há nenhuma referência a cloroquina no histórico [de publicações] do Ministério da Saúde sobre o enfrentamento ao Zika. Eram apenas testes. Apesar de ambos serem vírus, Coronavírus e Zika não têm relação nenhuma. É uma falácia essa comparação”, disse a fonte, que prefere não ser identificada.
Testes sobre o uso do medicamento foram conduzidos pelo médico Amilcar Tanuri, que coordena a pesquisa de cloroquina contra o Zika no Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ. À época, o grupo constatou que a cloroquina e alguns derivados do medicamento conseguem bloquear a multiplicação do vírus nas células neurais. Entretanto, os resultados não foram bem-sucedidos para serem aplicados nas grávidas.
“Eu desconheço este documento de tratamento de cloroquina como protocolo contra a zika. Nós publicamos um artigo sobre a ação da cloroquina no vírus da Zika. Porém, a concentração para inibir o vírus era muito alta e não poderia ser alcançada em seres humanos devido a toxicidade”, lembra Tanuri.
A médica obstetra Rossana Pulcinelli Francisco, professora do departamento de ginecologia e obstetrícia da Universidade de São Paulo (USP), que acompanhou a epidemia de Zika vírus no Brasil, também não se recorda de tais orientações do Ministério da Saúde da época.
“Tiveram alguns estudos in vitro, mas não me lembro desta recomendação [protocolo de cloroquina pelo Ministério da Saúde para grávidas], afirma Rossana.
Ela cita como exemplo o livro “Vírus Zika no Brasil – A resposta do SUS”, elaborado pelo Ministério da Saúde e publicado em 2017. Em 137 páginas, o documento não cita cloroquina nem seus derivados nenhuma vez.
Livro organizado pelo Ministério da Saúde sobre a resposta do SUS ao Zika vírus não cita uso de cloroquina.
Reprodução
O infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda afirma também não conhecer tais protocolos, nem com indicação para tratar Zika, nem chikungunya. “Foi tudo projeto de pesquisa. No caso da chikungunya, chegou à fase de ensaios clínicos, mas a cloroquina não entrou em protocolos do Ministério da Saúde”, diz Croda, que foi diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
‘Não é antiviral’
Durante a fala sobre o uso do Brasil da cloroquina, Pazuello chegou a ser corrigido pela comissão ao afirmar erroneamente que o medicamento seria um conhecido “antiviral”. Desconcertado, Pazuello respondeu aos senadores: “Pelo menos é o que me é trazido; eu não sou médico. Desculpe, eu vou concluir. Isso foi o que eu recebi ao longo das histórias”.
“Cloroquina é antiprotozoário, não é antiviral”, rebateu o senador Otto Alencar, médico formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Eu não estou entrando na linha médica. Se causa discussão, se ela é antiviral ou não, eu retiro. Vou colocar só sob a lógica do medicamento para não haver discussão. Só como medicamento, doutor”, respondeu Pazuello.
Compare: o que Pazuello falou na CPI e o que disse quando estava no Ministério da Saúde