Secretário diz que teste não é 'requisito' para tratar Covid e que letalidade caiu após gestão Pazuello
Representantes do ministério voltaram a negar que Brasil vive uma 2ª onda da pandemia e negaram a necessidade retomar medidas amplas de isolamento social, mas defenderam cuidados pessoais. Cientistas refutam a afirmação de que a letalidade caiu e condenam ‘tratamento precoce’. Elcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde
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O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, disse nesta sexta-feira (27) que a realização de testes não é requisito para que pacientes com a Covid-19 recebam tratamento. Além disso, Franco afirmou que a letalidade da doença causada pelo novo coronavírus caiu no Brasil após a chegada de Eduardo Pazuello ao comando do ministério.
A afirmação do secretário ocorre no momento em que o Ministério da Saúde é criticado por especialistas sobre uma gestão da pandemia que levou a:
7 milhões de testes correrem o risco de não serem usados, pois estão prestes a vencer e agora necessitam de uma aprovação da Anvisa para ampliação da validade;
Defesa de uso da cloroquina e hidroxicloroquina, apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontar que o remédio não foi eficaz contra a doença;
Exclusão de post nas redes sociais do Ministério da Saúde com a afirmação: “não existem vacina, alimento específico, substância ou remédio que previnam ou possam acabar com a Covid-19”;
Queda no total de testes realizados, item considerado essencial para o rastreamento e isolamento de contato de pacientes de Covid.
Durante entrevista coletiva, Elcio Franco não tratou da importância da realização de testes moleculares de diagnóstico da Covid para o rastreamento de contatos e para isolar casos confirmados. Especialistas alertam que exames são essenciais para rastrear e frear avanço da pandemia.
“O teste vai ocorrer mediante demanda do médico. Nós destacamos que o médico poderá realizar o diagnóstico clínico físico. (…) Não é requisito que o paciente necessariamente faça o teste”, disse o secretário.
O cardiologista e pesquisador do Hospital Universitário da USP Marcio Bittencourt diz que o teste não é requisito obrigatório, mas é “altamente recomendado”.
“Não é requisito obrigatório, mas é altamente recomendado. Eu posso até fazer o diagnóstico clínico-epidemiológico ou por tomografia quando eu não tenho o teste. É um quebra-galho. Eu posso errar muito mais. A gente precisa do teste e precisava ter muito mais teste do que tem”, afirma.
Bittencourt lembra, ainda, que a OMS recomenda uma taxa de positividade de testes em torno de 5% para que a disseminação da doença seja considerada sob controle. No Brasil, essa taxa é de 30% (a taxa de positividade representa o percentual de casos positivos em relação ao número de testes feitos).
“E [a taxa de positividade] nunca foi abaixo de 20%, em nenhuma semana. A nossa positividade msotra que a gente testa pouco, e quando testa pouco a positividade vem alta. Tem que testar de 5 a 10 vezes mais do que a gente testa para chegar em 5%”, diz o médico da USP.
A afirmação do secretário do ministério sobre a possibilidade de os médicos adotarem condutas independentemente da confirmação laboratorial do diagnóstico foi feita depois de ele afirmar que há “excedentes” de testes já distribuídos aos estados.
A declaração foi proferida em um contexto em que cerca de 7 milhões de testes do tipo PCR, considerado o padrão “ouro” para diagnóstico da Covid-19, estão parados, perto da data de vencimento, em um armazém do governo.
Um segundo levantamento, feito pela Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, aponta que há ao menos outros 8 milhões de testes nessa situação no país, levando o número a, no mínimo, 15 milhões de testes de Covid-19 com vencimento em março de 2021 no Brasil.
‘Aprendizados’ com a pandemia
Ao apresentar iniciativas do ministério, Franco explicou que houve “aprendizados” ao longo da pandemia.
“Nós tivemos um aprendizado com o tratamento precoce, com o manejo clinico também precoce, com oxigênio terapia, e com ampliação da atenção primária, com ampliação do atendimento das Unidades Básicas de Saúde, com os centros de referência e comunitários”, disse Franco.
Marcio Bittencourt, da USP, lembra, entretanto, que não há “nenhuma evidência de que nenhum tratamento precoce funciona além das medidas de prevenção”, como o uso de máscaras e o isolamento social.
Os medicamentos citados pelo governo como eficazes para combater o novo coronavírus – como a cloroquina e a hidroxicloroquina – já foram estudados por cientistas brasileiros e internacionais e não mostraram nenhuma eficácia contra a doença. Pelo contrário: uma pesquisa feita pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, mostra que a hidroxicloroquina pode piorar o caso de pacientes com Covid.
“É simples: nenhum país usa, nenhuma organização internacional usa”, resume Marcio Bittencourt.
O ministério também não apresentou estudos que associassem uma queda de letalidade ao tratamento precoce.
Letalidade
O secretário-executivo da pasta também afirmou que houve uma queda na letalidade pela Covid-19. A letalidade, entretanto, é um percentual calculado dividindo-se o número de pessoas que morrem por uma doença pelo número total de infectados. Quando mais pessoas são diagnosticadas, a letalidade cai.
“A letalidade não está caindo porque está salvando ninguém, mas porque a gente está sendo capaz de diagnosticar mais”, explica Marcio Bittencourt.
O número de casos detectados aumentou depois que o governo determinou que o diagnóstico poderia ser feito com exames de imagem, por exemplo, e não necessariamente com testes.
Apesar disso, Elcio Franco não avaliou se há relação entre o nível de testes realizados e a letalidade. Quando estava no papel de ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta afirmava que a letalidade iria cair progressivamente com o aumento da testagem no Brasil.
Questionado pelo G1, Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, não avaliou o impacto do aumento da testagem na taxa de letalidade.
Neto disse que é “difícil” apontar uma “causa única”, mas reafirmou que o tratamento precoce – incluindo a hidroxicloroquina e a cloroquina – teve impacto no índice. “Há correlação sim, essa correlação não pode ser negligenciável”, disse.
Nesta sexta-feira (27), o Brasil alcançou a marca de 171.998 mortes pela Covid-19, o segundo maior número do mundo – atrás apenas dos Estados Unidos.
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