A experiência de confinamento que terminou com participantes quase mortos de fome e sem oxigênio
Em 1991, ambicioso projeto colocou 8 cientistas vivendo em ecossistema artificial dentro de redoma gigante de vidro, para testar se essas condições permitiriam viver em outros planetas. Confinamento: Em 1991, um grupo de oito cientistas voluntários se fechou dentro de uma experiência sem precedentes.
Getty Images via BBC
A aventura quase terminou em tragédia.
Em 1991, um grupo de oito pesquisadores voluntários se fechou durante dois anos em uma redoma de vidro e aço onde vários ecossistemas do planeta Terra haviam sido recriados.
Aquela experiência formava parte do projeto Biosfera 2, cujo objetivo era comprovar se, em algum ponto no futuro, os humanos poderiam viver em circunstâncias semelhantes em outros planetas.
Grande parte da rotina dos oito participantes, os “biosferanos”, era tomada por trabalhos agrícolas. Eles cultivavam seus próprios vegetais, coletavam grãos do solo e obtinham proteínas de animais de granja e peixes criados em tanques de piscicultura.
A experiência, apresentada como uma “missão especial” dentro da Terra, cativou a atenção da imprensa.
Mas a aventura não acabou como se esperava.
As culturas não cresciam no ritmo estimado, a comida começou a rarear, o oxigênio era insuficiente e a tensão cresceu entre os participantes.
Um ‘Jardim do Éden’
O complexo fica em Oracle, em pleno deserto do Arizona.
Getty Images via BBC
O design original do complexo Biosfera 2 foi ideia de John Polk Allen, um engenheiro graduado pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos.
Allen era também diretor da empresa Space Biospheres Ventures, que em 1984 comprou a propriedade onde foi construído o ecossistema artificial fechado no município de Oracle, no deserto do Arizona, nos Estados Unidos.
A construção foi concluída em 1989, com três edifícios. O primeiro, um grande domo de vidro e aço; o segundo, uma área subterrânea de tecnologia; e o terceiro, uma zona destinada a ser o habitat humano.
Biosfera 2 reproduziu vários ecossistemas terrestres, como um bosque tropical e um oceano com corais.
Getty Images via BBC
O domo media quase 28 metros em seu ponto mais alto e continha cinco ecossistemas: um bosque tropical, um deserto, uma savana, um manguezal e um oceano com arrecifes de coral. Além disso, havia uma zona dedicada à agricultura.
No interior do edifício tecnológico, havia componentes que mantinham o clima da redoma, com controladores de temperatura e umidade.
“O objetivo principal era determinar se uma biosfera artificial poderia funcionar, incrementando reservas de energia e biomassa, preservando um alto nível de biodiversidade e biomas, estabilizando sua água, solo e atmosfera”, escreveram o diretor do projeto, John Polk Allen, e um de seus participantes, Mark Nelson, em um documento com o resultado da pesquisa em 1997.
Os cientistas envolvidos queriam saber se uma biosfera autossustentável, com todos os ecossistemas de vida da Terra, poderia “prover uma vida criativa e saudável para humanos trabalharem como naturalistas e cientistas”, diz o documento.
“Era como criar uma espécie de Jardim do Éden em interiores”.
Getty Images via BBC
Basicamente, se tratava de comprovar se o ser humano seria capaz de se mudar para outro planeta levando um pedaço do nosso. Para isso, os cientistas viajaram por todo o mundo e reuniram recursos e conhecimentos para criação do ecossistema artificial.
Eles encheram a Biosfera 2 de animais, vegetação e tecnologia, em busca das condições adequadas.
“Era como criar uma espécie de Jardim do Éden em interiores”, disse Linda Leigh, uma das pesquisadoras que esteve confinada, em um documentário recente sobre a experiência, chamado Spaceship Earth.
E assim, em setembro de 1991, quatro homens e quatro mulheres entraram na redoma: Roy Walford, Taber MacCallum, Mark Nelson, Sally Silverstone, Silke Schneider (que depois seria substituída por Abigail Alling), Mark Van Thillo, Jane Poynter e Linda Leigh.
Impacto na mídia
Sally Silverstone e Jane Poynter foram duas das participantes do projeto.
Getty Images via BBC
“Me ligaram no telefone propondo que me juntasse à equipe voluntária e antes que terminassem a frase eu já havia dito que sim”, recorda Nelson, um dos “biosferanos”, no documentário.
“Éramos pioneiros, os primeiros ‘biosferanos’. Nos haviam dado um mundo novo para cuidar dele”, diz Nelson.
Enquanto isso o mundo ficava sabendo do projeto através dos meios de comunicação. O interesse era tanto que foi necessário contratar uma equipe de relações públicas para lidar com o interesse da mídia.
Pouco depois de começar o confinamento, o entusiasmo inicial dos integrantes começou a se dissipar. As rusgas e discussões logo aumentaram.
“Você nunca sabe o que pode acontecer quando você fica confinado, vivendo durante anos com outras sete pessoas”, lembra Nelson.
A redoma virou atração turística. Em visitas guiadas, turistas viam, do lado de fora, os cientistas trabalhando, como se fosse um zoológico.
Dentro, cada um dos participantes tinha uma missão específica. Deviam se ocupar da pecuária, da preservação dos corais, da criação de peixes e das diferentes culturas.
Também ficavam responsáveis por monitorar o comportamento dos gases, sobretudo do oxigênio e do dióxido de carbono.
Para recriar o ecossistema artificial, os pesquisadores recolheram recursos de várias partes do mundo.
Getty Images via BBC
Roy Walford era médico, e seu trabalho era observar os efeitos do confinamento na saúde dos oito voluntários.
“Se conseguirmos transplantar um arrecife de corais, gerir uma granja, não contaminar a atmosfera e a água e reciclar nutrientes, haverá grandes lições para se aprender aqui”, pensava Nelson, durante o confinamento.
Fome, tensão e falta de oxigênio
Os “biosferanos” concordam que a escassez de comida não ajudou a criar um ambiente saudável.
De todos os cultivos, um dos mais bem-sucedidos, segundo revelaram Allen e Nelson nos resultados da pesquisa, foi o de bananas. Assim, os confinados tiveram que usar essa fruta em diversas receitas. Eles chegaram a tentar produzir vinho a partir da banana, mas sem sucesso.
“Tivemos que tomar decisões importantes, porque alguns cultivos funcionavam muito melhor do que outros. Assim, acabávamos comendo um mesmo produto, como beterraba, em forma de sopa ou de salada”, disse Sally Silverstone em um dos documentários.
Mas os alimentos não foram o único recurso que começou a ficar escasso. Tanto os cientistas dentro da redoma quanto os pesquisadores do lado de fora perceberam um aumento nos níveis de dióxido de carbono e uma diminuição no oxigênio.
“Eu não conseguia terminar uma frase sem sentir falta de ar”, disse Nelson.
Os oito participantes saíram do confinamento no prazo de dois anos que havia sido estipulado, apesar das dificuldades ocorridas.
Getty Images via BBC
“Eu subia alguns degraus de escada e já precisava parar para tomar ar”, recorda Linda Leigh.
A falta de alimentos fez que os “biosferanos” perdessem peso e, com o baixo nível de oxigênio, estivessem expostos a riscos de dano cerebral.
“Respirávamos o ar do outro, estávamos sufocados e mortos de fome”, disse Leigh.
“Estar brigando, além disso, não ajudava em conseguirmos atingir o objetivo pelo qual havíamos nos confinado”, lamenta Nelson.
A experiência estava desmoronando e a ideia original de sobreviver dois anos somente com o que havia dentro da Biosfera 2 não funcionou. Eles se virm obrigados a trazer, de fora, extratores de dióxido de carbono, bombas de oxigênio e alimentos.
A imprensa classificou o projeto como um fracasso.
Sem confinamentos
Apesar da necessidade de obter ajuda externa, sem autossuficiência completa, o projeto conseguiu seguir por dois anos, que era o prazo de duração estipulado originalmente.
O complexo pertence hoje à Universidade do Arizona e virou um centro de pesquisas.
Getty Images via BBC
Em 1994, uma segunda expedição voltou ao interior da Biosfera 2, mas foi cancelada antes do fim da missão.
Hoje, a Biosfera 2 pertence à Universidade do Arizona e serve como centro de pesquisas sobre ecossistemas da Terra.
Quase três décadas depois, já não há mais experiências de confinamentos no domo gigante de cristal.