Artigo mostra que vermífugo apontado por Ministério da Ciência reduz carga viral, mas não risco de morte nem sintomas graves da Covid, dizem especialistas
“É muito pouco para a gravidade da doença”, afirma infectologista. Artigo foi publicado, ainda sem revisão, em uma plataforma de estudos médicos nesta sexta-feira (23). Um artigo do estudo sobre o uso do vermífugo nitazoxanida em pacientes com a Covid-19 anunciado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação no começo da semana foi publicado nesta sexta-feira (23). Após analisarem a publicação, especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que medicamento não atende aos objetivos principais do tratamento, como redução dos desfechos graves e risco de morte.
“O objetivo principal do estudo, reduzir mortes e sintomas graves da Covid-19, não foi alcançado. Foi apresentado apenas um objetivo secundário, de que o medicamento é capaz de reduzir a carga viral. Isso, na prática, não resolve o problema do coronavírus”, afirmou o epidemiologista Paulo Lotufo.
O infectologista Alberto Chebabo, que também leu o artigo, avalia que o medicamento não foi capaz de reduzir sintomas graves da Covid-19.
“O artigo não demonstrou que a nitazoxanida seja capaz de reduzir risco de morte ou desfechos graves, como necessidade de oxigênio e evolução para respirador mecânico. Apenas diminuiu a ocorrência de febre e baixou a carga viral. Isso é muito pouco para a gravidade da doença”, afirma Chebabo.
O artigo com os resultados foi publicado em versão pré-print na plataforma medRxiv e segue em avaliação por uma revista científica. De acordo com a publicação, a nitazoxanida reduziu a carga viral em pacientes com sintomas leves e diminuiu a febre.
“É um trabalho bem feito, que mostra que o medicamento tem uma atividade antiviral, que foi a de reduzir a carga viral, mas não sabemos o que isso quer dizer na prática, precisa de mais investigação. Não dá para afirmar que diminuiu risco de contágio somente por diminuir carga viral e que não precisa mais fazer isolamento”, explica Chebabo.
Voluntários receberam kit com nitazoxanida para estudo clínico em Bauru, uma das cidades que participou do estudo do Ministério.
Alisson Negrini/TV TEM
O estudo foi coordenado pela pesquisadora Patricia Rieken Macedo Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), que participou da cerimônia do governo federal de divulgação da pesquisa. (Veja mais abaixo)
‘Melhor que cloroquina’
Questionado se faz sentido, de acordo com o demonstrado no artigo, o nitazoxanida entrar para o protocolo de tratamento da Covid-19, Chebabo afirma que não, e compara o medicamento com o antiviral remdesivir.
“Os efeitos apontados no tratamento com nitazoxanida são mínimos, não justifica uma produção em massa e adoção em tratamentos. Porém, tem atividade antiviral, então pode ser mais estudado”, diz.
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“A título de comparação, é muito melhor que cloroquina, que é cara e não tem efeito. Ou, então, podemos comparar com o remdesivir, que tem algum efeito, mas não tem impacto nos casos graves e em diminuição de mortes”, compara Chebabo.
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Gráfico sem dados
Na segunda-feira (19), o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, junto com o presidente Jair Bolsonaro, anunciaram a conclusão do estudo em questão e apenas disseram, sem mostrar dados, que o medicamento apresentou “resultados positivos”.
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Sem dar detalhes dos resultados ou apresentar a íntegra do estudo, o governo informou que os testes clínicos com voluntários mostraram que o medicamento reduziu a carga viral quando foi tomado em até 3 dias depois do início dos sintomas.
Segundo o governo, o trabalho havia sido submetido para a análise de uma revista científica e, por isso, o ministério não pode dar detalhes dos resultados.
Durante a cerimônia, o governo apresentou um vídeo que mostra a trajetória da pesquisa. Nele, os organizadores exibiram um gráfico sem dados, idêntico ao disponível no serviço de banco de imagens ShutterStock.
As imagens são exibidas quando o narrador afirma que “a missão dada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação foi cumprida” e “o resultado comprovou de forma científica a eficácia do medicamente na carga viral.”
Tela de vídeo apresentado na cerimônia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Base e dados são idênticos ao disponível na agência ShutterStock.
Reprodução/TV Brasil
Abaixo, a imagem disponível no banco de imagens:
Gráfico comercializado pela ShtterStock e que é idêntico ao usado em cerimônia do Ministério da Ciência e Tecnologia para mostrar eficácia de vermífugo contra a Covid..
Reprodução
Procurado pelo G1, a assessoria de imprensa do MCTIC informou que “o gráfico usado no vídeo apresentado no evento de anúncio dos resultados dos ensaios clínicos com a nitazoxanida não faz parte dos dados do estudo e aparece apenas de forma ilustrativa”.
Medicamento com receita
A nitazoxanida é um medicamento utilizado no país pelos nomes comerciais Azox e Annita e faz parte do grupo dos antiparasitários e vermífugos. O remédio também tem ação antiviral e é receitado em casos de rotavírus.
Para evitar automedicação, a droga passou a ser vendida apenas com prescrição médica em abril deste ano. Entretanto, uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1º de setembro retirou a exigência de retenção da receita. O medicamento contendo nitazoxanida, disponibilizado comercialmente, não tem a indicação para o coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
1,5 mil voluntários
Segundo o ministro, mais de 1.500 voluntários de sete cidades do Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro participaram do estudo clínico. Eles foram divididos em dois grupos: um tomou a nitazoxanida e o outro tomou um placebo. Segundo o governo, o grupo que recebeu o medicamento, um vermífugo, apresentou diminuição da carga viral.
“Ele [nitazoxanida] é de baixo custo, não tem efeitos colaterais importantes” afirmou Pontes. “A nitazoxanida não pode ser usada para fazer prevenção [da Covid-19]”, complementou o ministro.
O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michele Bolsonaro, participaram da cerimônia de apresentação das primeiras conclusões da pesquisa.
“Houve uma redução significativa da carga viral neste grupo”, afirmou a coordenadora geral do estudo, Patrícia Rieken Macedo Rocco, chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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