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Baixa oferta de creches privadas é entrave para projeto do governo federal

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Baixa oferta de creches privadas é entrave para projeto do governo federal

Uma demanda de mais de 1 milhão de vagas que não encontra oferta. Esse é o cenário das creches no Brasil, onde só pouco mais de um terço das crianças de 0 a 3 anos têm acesso à escola.

O problema foi escancarado na pandemia, com famílias mais pobres (e sem home office) tendo dificuldade para encontrar cuidados. Nas últimas semanas, ganhou também os holofotes em Brasília depois que o governo federal propôs o Auxílio Criança Cidadã, o pagamento de um voucher dentro do Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família, para que pais matriculem os filhos de até 4 anos em creches privadas.

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No debate sobre a melhor forma de resolver a pouca oferta de vagas em creches, novos números da Kairós Desenvolvimento Social, empresa especializada em diagnósticos de indicadores e planejamento, jogam luz sobre o tamanho do desafio.

O estudo com base em dados do Censo Escolar 2020 mostrou que 54% dos municípios brasileiros (3.033) não têm uma única escola privada que ofereça a etapa de creche.

Dessa forma, ainda que os vouchers saiam do papel, os pais nesses municípios simplesmente não teriam creches onde usar o benefício.

O setor privado responde hoje por cerca de 40% das matrículas em creches no Brasil, a etapa da educação básica onde mais está presente. Mas a distribuição é desigual.

Em seis estados, 70% ou mais das cidades não têm creche privada. Todos estão na região norte, com exceção do Rio Grande do Sul.

Mesmo no conjunto do estado de São Paulo, que concentra a maior oferta de educação privada do Brasil, quase metade (47%) das cidades também não têm uma creche particular. 

Roraima, por exemplo, tem a pior taxa de matrícula em creches, com só 11% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas. Mas 80% dos municípios não têm creche privada.

O cenário é parecido para os outros estados da região Norte e em municípios menores ou mais pobres de todos os estados.

Já na cidade de São Paulo, o número de creches privadas inclusive ultrapassa o de públicas.

Elvis Bonassa, diretor da Kairós, avalia que essa disparidade se dá porque as creches privadas não abrem necessariamente onde há demanda, mas onde essa demanda é “efetiva” — isto é, onde os pais não só queiram, mas possam pagar pelo serviço.

“Uma proposta nacional de voucher seria simplesmente inaplicável para metade dos municípios do país. A política mostra desconhecimento da realidade brasileira”, diz.

Depende do valor

A aposta do governo federal é de que o mercado se acomode e abra novas creches para atender à demanda gerada pelos vouchers.

O projeto acoplado ao Auxílio Brasil foi bem visto pelo setor privado de educação infantil, segundo a EXAME apurou, mas ainda há dúvidas sobre os valores.

Por se tratar de um serviço muitas vezes de tempo integral e delicado, com turmas menores e professores dedicados a cuidar de crianças muito pequenas, a creche é a etapa escolar mais cara do ensino básico.

A Medida Provisória enviada em agosto ao Congresso (veja na íntegra) não inclui o valor dos benefícios. Minutas que circularam ao longo dos últimos meses chegaram a ventilar 250 reais, mas o montante não foi confirmado na versão final.

Bruno Eizerik, que assumiu no mês passado como presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), afirma que as escolas associadas veem como positiva a proposta no Auxílio Brasil e acredita que essa pode ser uma “revolução” para a oferta de educação infantil no Brasil.

Eizerik defende que deveria ficar a cargo dos pais escolher se matriculam os filhos no setor público ou privado.

No entanto, ele afirma que as creches particulares de qualidade não conseguiriam oferecer o serviço com valores como os 250 reais que chegaram a circular nas minutas. “Não queremos que as creches virem depósito de crianças. Seria inviável oferecer serviço de qualidade com esse valor”, diz.

No ano passado, com a crise gerada pela pandemia e o desemprego recorde dos brasileiros, a rede privada perdeu ao menos 90.000 matrículas, segundo o Censo Escolar. A expectativa do setor é que a demanda volte com a reabertura da economia neste ano.

Se aprovado, o Auxílio Criança Cidadã seria destinado somente aos beneficiários do Bolsa Família, não incluindo famílias que eventualmente poderiam complementar o valor do voucher por conta própria — o que o presidente da Fenep lamenta, defendendo que o público alvo poderia ser mais amplo.

“Mas a iniciativa do governo federal de colocar o projeto para debate já foi muito importante. O valor ainda tem tempo para ser debatido”, diz.

Mais oferta é o bastante?

Da forma como é hoje, a maioria das localidades se beneficiaria de um aumento da oferta em creches, como mostra um levantamento da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

Mas o relatório alerta que a oferta precisa ser feita levando em conta as especificidades locais e chegando às pessoas certas: famílias de baixa renda, monoparentais, em áreas rurais ou mais afastadas.

Mesmo nos centros urbanos, a falta de creche perto de casa foi um fator mais decisivo para os pais de baixa renda do que para os demais na hora de não colocar os bebês na escola.

Esses são, por outro lado, lugares onde seria mais difícil para a iniciativa privada oferecer vagas a um preço baixo e com margem de lucro que justifique o investimento.

O valor baixo empregado no setor público já é um desafio nos convênios, modelo em que o Estado paga as mensalidades de alguns alunos que não conseguiram vaga no setor público — mas somente em rol de escolas conveniadas e que os pais não podem escolher, diferentemente dos vouchers.

Dentre os gestores, pipocam exemplos de creches privadas que optaram por não oferecer vagas via convênio porque o valor não condiz com as mensalidades dos alunos pagantes.

Na estimativa mais recente do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), indicador incluído no Plano Nacional de Educação e que estipula quais seriam os insumos necessários para uma educação pública de qualidade, o valor mínimo por aluno na creche chega a quase 1.800 reais em tempo integral e pouco menos de 900 reais em tempo parcial, segundo o SIMCAQ, simulador da Universidade Federal do Paraná.

(O montante não inclui ainda investimento em frentes como merenda escolar, necessária para alunos vulneráveis como os do Bolsa Família.)

Esse seria o patamar visto como próximo do ideal no setor público. Mas os municípios gastam muito menos do que isso: o Fundeb, fundo de financiamento da educação básica, estabeleceu que cada município invista pouco mais de 400 reais por aluno em 2021 nas creches públicas.

E 25% dos municípios não chegaram ao mínimo e precisaram de complementação do governo federal neste ano, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.



Já algumas prefeituras mais ricas aumentam esse investimento mínimo com recursos próprios, indo além do valor do Fundeb. É esse montante maior que as escolas privadas defendem que seja destinado para um potencial voucher, diz Eizerik, da Fenep.

A federação das escolas, no entanto, não bate o martelo sobre qual seria um valor ideal que funcionasse para escolas em todo o Brasil, e diz que aguarda as tratativas no Congresso.

O atraso brasileiro

A lacuna brasileira na educação infantil é uma herança infeliz da pouca atenção que foi dada à primeira infância no passado.

Por muito tempo, a creche esteve associada a uma política de assistência social, sendo apenas um lugar para as crianças pobres ficarem quando os pais iam trabalhar. Essa visão só mudou recentemente, em parte puxada não pelo objetivo educacional, mas pelo ingresso das mulheres no mercado de trabalho.

  • O número de matrículas em creches no Brasil quase dobrou em uma década, de 1,3 milhão em 2010 para 2,4 milhões em 2020.
  • Mas estimativas apontam que ainda será preciso criar 1,5 milhão de vagas para chegar à meta do Plano Nacional de Educação em 2024.
  • O Brasil precisa sair de 37% para 50% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas.
  • Já se dá como quase certo que a meta não será atingida.

Ampliar a oferta em creches é crucial para a economia. O prêmio Nobel de Economia James Heckman, da Universidade de Chicago, concluiu em análise local nos EUA que um dólar investido na educação infantil gerava uma economia de sete dólares no futuro. Esse retorno econômico cai muito para investimentos mais tarde na vida, como em adultos.

Mas para além da necessidade de oferecer mais vagas, um dos estudos mais citados na área de educação infantil, do pesquisador e economista Daniel Santos, da USP de Ribeirão Preto, mostra que a matrícula em creche, quando não acompanhada de qualidade, pode inclusive trazer efeitos negativos às crianças.

Como a EXAME mostrou depois que o Auxílio Criança Cidadã foi divulgado, a política de voucher nunca foi testada em larga escala no Brasil, e um dos imbróglios é a falta de estudos que comprovem que o investimento público seria de melhor uso na rede privada do que na ampliação da rede pública.

Em países que implementaram a política, que era vista como promessa nos anos 1980, os vouchers não melhoraram a qualidade na maior parte dos casos, e acentuaram desigualdades já existentes, segundo estudos compilados pela organização Todos Pela Educação.

O ministro Paulo Guedes é grande defensor do modelo, usado no Chile, onde ele trabalhou. No ano passado, uma proposta semelhante de voucher-creche já havia sido rejeitada no Congresso após ser apresentada pelo Ministério da Economia.

“Não podemos esquecer qual é o objetivo principal de uma creche, que é a educação e o desenvolvimento da criança. Não é as crianças terem um lugar para ficar enquanto os pais trabalham”, diz Bonassa, da Kairós. “O Brasil não deve voltar a uma política de assistencialismo que não tenha a educação como foco.”

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