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Crianças com microcefalia por zika regridem na pandemia: 'Estão desaprendendo a falar e a comer'

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Crianças com microcefalia por zika regridem na pandemia: 'Estão desaprendendo a falar e a comer'


No nordeste do Brasil, epicentro do surto de zika que assustou o mundo em 2015, mães e cuidadoras relatam um retrocesso visível no desenvolvimento de suas crianças, que dependem de uma rotina pesada de terapias. Erik exibe seu gato
Itawi Albuquerque/BBC
Para as crianças que nasceram com a síndrome congênita da zika, é a segunda vez que um vírus global muda radicalmente o curso de suas vidas. Isoladas em casa, tentando sobreviver à pandemia do coronavírus que já matou mais de 500 mil pessoas no Brasil, a nova rotina tem sido particularmente difícil para elas.
No nordeste do Brasil, epicentro do surto de zika que assustou o mundo em 2015, mães e cuidadoras relatam um retrocesso visível no desenvolvimento de suas crianças, que dependem de uma rotina pesada de terapias e estímulos para conquistarem autonomia em atividades simples como comer, dormir e falar.
Era maio de 2020 e eles já estavam reclusos há dois meses em casa quando Alessandra Hora dos Santos, 42, notou que havia algo diferente no neto Erik Gabriel, 5 anos: ele não conseguia mais falar. Tentava, mas as palavras não saíam. Gaguejava, ficava nervoso, desistia.
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Erik havia começado a frequentar a escola infantil há poucos meses quando a pandemia chegou ao Brasil e fechou as escolas em Maceió (AL), onde ele vive.
Mas, apesar do pouco tempo como aluno da educação infantil, era fácil notar o efeito que as aulas já tinham em seu desenvolvimento: o menino estava falante, alegre, interagindo com as outras crianças, bem mais calmo e com menos crises do que antes; estava, além disso, totalmente apegado às novas professoras.
“Quando amanhecia o dia Erik já ficava animado para ir”, lembra Alessandra. A falta da escola, no entanto, logo mudou o humor da criança.
“Ele chegou a me dizer ‘vovó, chama a polícia para pegar o coronavírus, que eu quero ir para a minha escolinha'”, diz.
De lá para cá, a situação só piorou. Hoje “trancado” em casa há mais de um ano para se proteger contra o vírus, Alessandra testemunhou as condições psicológicas e físicas do neto deteriorarem-se a cada dia. Erik atualmente tem muitas crises nervosas e convulsões, e passou a gaguejar sempre que tenta se comunicar.
Alessandra diz que foram muitas as noites em que ela passou em claro com o neto, que não dormia, agitado. “Houve uns dez dias seguidos em que ele passava a noite acordado com a beira do olho toda roxa. Ele passou a ter esse problema de sono durante a pandemia, e a médica aumentou a dose da medicação dele.”
Em 2016, Erik Gabriel foi um dos milhares de bebês que nasceram no Nordeste do Brasil com a circunferência da cabeça reduzida, uma má formação chamada de microcefalia.
Mas na época, embora os profissionais da saúde da linha de frente tivessem consciência de que viviam o início de uma epidemia de zika vírus, que espalhava manchas vermelhas e sintomas de resfriado em quem era picado pelo mosquito, ninguém sabia explicar a razão para que tantos bebês com microcefalia estivessem nascendo.
Foi aí que a doutora Adriana Melo, obstetra da maternidade pública de Campina Grande, na Paraíba, e especialista em gravidez de alto risco, começou a investigar. Trabalhando exclusivamente com fetos há mais de 20 anos e habituada a examinar cerca de 30 cérebros de bebês por dia, notou que uma paciente com início de gravidez saudável voltou ao consultório com 20 semanas de gestação de um bebê com microcefalia.
Coletou amostras do líquido amniótico de algumas pacientes com o mesmo quadro e as mandou para serem testadas pela Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Elas testaram positivo para o zika vírus.
O trabalho da doutora Melo tornou-se a primeira evidência concreta da relação entre a zika, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, e a microcefalia nos bebês recém-nascidos do Nordeste.
O vírus zika foi registrado em 84 países, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para a maioria das pessoas, trata-se de uma infecção com sintomas leves, como febres, dores e manchas vermelhas. Mas para mulheres grávidas, o efeito pode ser devastador.
Além de paralisar o crescimento do cérebro do bebê, o vírus pode afetar todo o sistema nervoso da criança, alteração que pode causar uma série de problemas conhecida com a síndrome congênita da zika: convulsões, irritabilidade, dificuldade para engolir, membros atrofiados e endurecidos, movimentos involuntários, baixa visão e audição.
Entre 2015 e 2016, o maior surto conhecido da doença ocorreu no Nordeste do Brasil. Na época, 2.653 bebês foram diagnosticados com a síndrome congênita da zika.
Nascido em Alagoas, Erik tem uma versão relativamente leve da síndrome. Passou por uma cirurgia complexa no coração com apenas três anos de idade e, desde então, cresceu uma criança ativa e falante, diferente da maioria das crianças atingidas pelo vírus.
Ele consegue comer e engolir com facilidade. Pode andar e até correr, demandando muita energia e fazendo a alegria da vida das avós.
Muito do desenvolvimento de Erik, aliás, só foi possível em razão da dedicação heróica das duas avós de Erik, Alessandra e Maria.
Aos 42 anos de idade, as duas jovens avós dividem a criação de Erik; elas são vizinhas em casas na mesma rua do conjunto Benevides 2, um dos bairros mais violentos e desassistidos de Maceió. Alessandra, franzina extrovertida, transformou a rotina de lutar por acesso a tratamentos de saúde para o neto na principal motivação da sua vida.
Virou também liderança, uma espécie de “mãe” para todas as crianças da comunidade de famílias atingidas pelo vírus no Estado de Alagoas, tanto na capital quanto no interior do estado.
Maria, a outra avó de Erik, é tímida e fala pouco; dedica todo seu tempo e energia a cuidar de todas as necessidades do neto. “Eu não sabia o que era microcefalia, mas depois que eu entendi, pensei: agora vou cuidar mais do meu neto do que de mim. A minha vida como era antes acabou; agora eu sou só para ele”, diz.
O acesso a aulas online e sessões de terapia são todos pelo celular de Alessandra
Itawi Albuquerque/BBC
Mesmo antes da pandemia, Erik demandava cuidados 24 horas por dia, além de um cronograma rígido de atividades: terapia ocupacional na terça, fonoaudiologia na quarta e fisioterapia na quinta.
Durante a pandemia, todas essas sessões presenciais se transformaram em remotas, o que exigiu treinamento, força física e estrutura que a grande maioria das mães não tem. Alessandra diz que, desde então, as convulsões e variações de humor de Erik pioraram bastante.
“Ele tem estado muito irritado. Tem crises de muito choro, ou querendo bater, e vai ficando vermelho, tem convulsões até dormindo. Do nada às vezes ele para e está ali, mas é como se o pensamento estivesse longe. Ele passou a ter esses momentos muitas vezes por dia”.
No ano da pandemia, as duas avós precisam aprender rapidamente os movimentos básicos da fisioterapia, seguindo as orientações ao vivo pelo celular apoiado em um copo em cima da mesa. Muitas vezes por semana, elas massageiam as mãos e os pezinhos de Erik para prevenir rigidez e atrofia. “Eu não tenho muita agilidade com essas coisas tecnológicas, agora que estou aprendendo”, diz Alessandra.
Também se tornaram, como muitos pais, as professoras do menino, e ainda um pouco fonoaudiólogas, se esforçando para manter a capacidade de fala do neto da melhor maneira possível.
O filho de Alessandra, pai de Erik, morreu em 2016, no ano em que Erik nasceu. A mãe do menino, filha de Maria, era adolescente quando engravidou e não deu conta de assumir a criação. Mudanças que passaram como um “furacão” pela vida de Alessandra, e tudo mudou desde então.
“Hoje tudo que eu tenho de mais sagrado, além das minhas filhas e minha mãe, é o meu neto. Faço tudo por ele. E encontrei minha segunda família, que é a associação.”
“Tivemos que nos unir”
A segunda família a que Alessandra se refere é uma rede que ela criou e preside de 240 mães, todas cuidadoras de crianças com a síndrome congênita da zika e que participam da Associação Família de Anjos do Estado de Alagoas (Afaeal), criada em 2017 para lutar de maneira mais organizada pelo direito das crianças.
“Tivemos que nos unir”, ela diz, sobre quando notou que criar o neto com os recursos a que ele tinha direito não seria tarefa fácil vivendo na periferia de Maceió, em Alagoas. “Não conseguíamos marcar exames, consultas com o neurologista, era tudo muito difícil”, lamenta. “Desde o começo nos privaram de muita coisa”.
Em nome das famílias da associação, Alessandra já foi diversas vezes a Brasília. Em 2019, por exemplo, foi uma das principais vozes em audiências públicas para reivindicar a criação de uma pensão vitalícia no valor de um salário mínimo para crianças que nasceram com microcefalia decorrente do zika vírus.
A uma plateia de senadores na ocasião, Alessandra discursou que “o surto da zika acabou, mas não pararam de nascer crianças com a síndrome. Em Alagoas, temos casos de crianças que nasceram este ano. Nada foi feito para melhorar o saneamento básico, a água potável e todas partes que podem controlar o mosquito”.
A equipe de cuidadores e apoiadores de Alessandra
Itawi Albuquerque/BBC
A pobreza, realidade de grande parte da população de Alagoas, também foi fator preponderante na propagação do zika vírus. No pico da epidemia, em 2016, 80% das crianças com microcefalia no Estado de Alagoas nasceram em famílias de jovens mulheres negras de baixa renda, de acordo com uma pesquisa do Instituto de Bioética Anis.
A especialista Adriana Melo, uma das principais referências no tema, diz que o menor acesso a serviços de saúde nas regiões mais pobres inviabiliza o diagnóstico precoce e as intervenções que devem começar nos primeiros meses da gravidez.
Erik, por exemplo, só recebeu o diagnóstico de microcefalia dois meses após nascer..
“O que a gente nota é que as famílias de Alagoas são crianças [com casos da síndrome da zika] bem graves e que não receberam quase suporte no início. Depois fica muito mais difícil. São muito pobres as crianças de Alagoas. E olha que a Alessandra é uma lutadora”, diz Adriana Melo.
Outra voluntária da associação é Ana Lúcia Mota de Oliveira, avó e cuidadora de Dayara, 5 anos de idade, que comparada a Erik tem uma versão muito mais severa da síndrome congênita da zika, e depende do cuidado integral da avó.
“Ela é o amor da minha vida”, diz Ana Lúcia sobre a neta.
Antes da pandemia, um vídeo nas redes sociais da avó mostra Dayara sorridente, olhando carinhosamente para a avó que a alimenta com uma colher. Ela come a comida e brinca fazendo barulhinhos com a boca que ela havia aprendido após meses de muita fonoaudiologia. Aprendeu a engolir sem precisar de uma sonda alimentar.
Atualmente, após um ano de isolamento, Dayara se alimenta apenas por um tubo. Quando ela foi fotografada para a reportagem, na última semana de junho, ela estava internada no hospital, recuperando-se de mais uma das muitas infecções urinárias que teve nos últimos meses.
“A Dayara, que vivia sorrindo, agora está sempre dormente. Ela ganhou um ronco muito alto, aumentou a dificuldade que ela tem para deglutir, ela não consegue mais sustentar o próprio tronco, nem levantar a cabeça. Depois da pandemia, ela perdeu 90% do que ela havia evoluído”, lamenta Ana.
Para crianças com a síndrome como Dayara, aprender a engolir é uma questão de sobrevivência. Aspirar comida acidentalmente para os pulmões é um problema comum entre as crianças, e frequentemente leva a infecções, pneumonia e morte. A pneumonia por broncoaspiração, em que a comida desce pela laringe em vez de pelo esôfago e vai parar nos pulmões em vez de no estômago, é uma das principais causas de morte entre as crianças da zika.
Outro risco é a desnutrição, que atinge muitas das crianças associadas de Alagoas, simplesmente porque são incapazes de consumir alimento suficiente. Outra dificuldade é financeira; o salário mínimo que as mães recebem é insuficiente para todas as fraldas, medicações, leite e suplementos alimentares que as crianças precisam. Na pandemia, com o dinheiro ainda mais apertado, Ana tem comprado só metade das doses de suplemento que Dayara precisa.
Com fisioterapia precoce e constante, muitas crianças podem superar tais problemas. Mas com a suspensão de muitos serviços na pandemia, Alessandra diz que pelo menos dez crianças da associação regrediram e voltaram a usar sondas alimentares, como Dayara.
“É impressionante ver como quando uma criança para um tempo com as terapias ela volta com bastante dificuldade de deglutição, regride muito”, explica a doutora Adriana Melo. “Sem trabalho constante, a musculatura dessas crianças atrofia muito rápido”.
‘O mundo esqueceu da zika’
No que depender do pesquisador brasileiro professor Paulo Veradi, professor de patobiologia e ciências veterinárias na universidade norte-americana de Connecticut há esperança de uma vacina próxima contra o vírus zika.
Sua pesquisa publicada em abril deste ano, até agora testada apenas em animais, mostrou que apenas uma dose de sua vacina experimental dá aos roedores imunidade total contra o vírus. O desafio até que a vacina esteja disponível para mulheres em idade reprodutiva, no entanto, envolve convencer a indústria farmacêutica de que mesmo uma vacina pouco lucrativa, que atinge majoritariamente países pobres, é um investimento que vale a pena.
“Desde 2016, tem-se falado muito menos sobre zika e sobre microcefalia. Muitas pessoas pensam que o zika acabou.”
Mas o professor Verdi espera que a pandemia possa trazer um interesse renovado. Pelo menos quando a pior fase da pandemia passar, o que ainda está longe de ocorrer no brasil
“Acho que agora, devido ao coronavírus, há um interesse maior. Porque vimos quão rapidamente podemos produzir novas vacinas com novas tecnologias. Acho que depois da Covid, veremos um interesse revitalizado em novas vacinas, incluindo o zika.”
‘As mães são o mundo para essas crianças’
À frente do Instituto Professor Joaquim Amorim Neto de Desenvolvimento (Ipesq), instituto filantrópico que ela criou e comanda à base de doações para pesquisa e tratamento das mães e crianças com a síndrome, Adriana Melo diz que o dilema durante a pandemia no instituto foi abrir as portas para ajudar as crianças ou fechar, para proteger as cuidadoras que viajam de carona para levar as crianças até Campina Grande, em situações de risco de contrair o vírus.
“Uma das nossas maiores preocupações nesta segunda-terceira onda da pandemia no Brasil é com as mães. Por que imagina a tragédia de uma dessas crianças se tornando órfãs?”, questiona Melo. “Imagina se as mães morrem, quem vai cuidar? Elas têm medo de morrer e deixar os filhos porque a gente sabe que essas mães são tudo para essas crianças. Não sei o que seria das crianças se essas mães morressem”.
Tanto a família de Erik quanto de Dayara sentiram o efeito devastador da Covid-19. Em maio do ano passado, a mãe de Ana, bisavó de Dayara, morreu em decorrência do coronavírus.
Há menos de duas semanas, faleceu o avô de Erik, o marido de Alessandra, para a mesma doença.
Alessandra, mergulhada no luto, optou por retomar rapidamente os trabalhos de assistência na associação, arrecadando e distribuindo doações enquanto a carência das famílias de Alagoas só cresce. As mulheres da associação agora arrecadam doações não só para as famílias da zika, mas também para distribuir sopa para os muitos moradores do bairro que aparecem na fila, sem comida em casa.
Ela diz que é justamente por Erik e pelas outras mães que ela segue em frente.
“Se eu ficasse em casa, se não fosse a associação, eu ia entrar em depressão”.
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