Em carta, cientistas internacionais defendem Guia Alimentar brasileiro e criticam proposta de mudança de ministério
Os acadêmicos, que são de universidades como Harvard, Johns Hopkins, Yale e Cambridge, dizem que nota técnica do Ministério da Agricultura brasileiro não tem fundamentação válida. Imagem de cereais adocicados de café da manhã
Twinsfisch/Unsplash
Um grupo de 33 cientistas estrangeiros de universidade prestigiadas dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, África do Sul e outros países enviou uma carta ao Ministério da Agricultura para defender o Guia Alimentar para a População Brasileira.
O Guia, de 2014, é um conjunto de diretrizes a respeito de alimentação de autoria de outro ministério, o da Saúde.
Em uma nota técnica divulgada neste mês, o Ministério da Agricultura fazia diversas críticas ao documento. Nesse texto, a Agricultura pede para que se retire as menções ao grupo de alimentos ultraprocessados do Guia.
Os acadêmicos, que são de universidades como Harvard, Johns Hopkins, Yale e Cambridge, dizem que a nota técnica do Ministério da Agricultura não tem fundamentação válida.
A carta enviada pelos estrangeiros diz que o texto, “evidentemente escrito sem uma compreensão da pesquisa científica sobre esse tema, levanta diversas críticas injustificadas das diretrizes da dieta brasileira publicadas pelo Ministério da Saúde”.
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Críticas ao Guia Alimentar
A nota técnica do Ministério da Agricultura afirma que, “quando um documento oficial do Governo Brasileiro orienta ‘Evite alimentos ultraprocessados’, está generalizando algo que é muito diversificado. Quando usamos esta classificação equivocada, pesquisas mostram que existem alimentos que são classificados nesta ‘categoria ultraprocessados’ e que são feitos industrialmente de forma semelhante a preparações culinárias caseiras”,
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A pasta afirma que o sistema de classificação de alimentos conhecido por Nova, que determina o que é um alimento processado, é obscuro.
“A classificação Nova utilizada é confusa, incoerente e prejudica a implementação de diretrizes adequadas para promover a alimentação adequada e saudável para a população brasileira.”
Na nota, os técnicos da Agricultura atacam a forma de classificar a comida: “Em relação a diferenciação de ‘alimento ultraprocessado’ por meio da contagem do número de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) parece ser algo cômico”.
O documento é assinado por Luís Eduardo Rangel e Eduardo Mazzoleni, diretor e coordenador do departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas da Secretaria de Política Agrícola do ministério.
Em nota ao G1, o Ministério da Agricultura diz que a nota técnica, que foi divulgada nas redes sociais, na verdade não foi enviada ao Ministério da Agricultura e que se trata de “minutas” que sugerem a revisão do Guia. “O assunto está sendo debatido internamente, em Câmaras Setoriais do Mapa”, disse a pasta.
Carta de acadêmicos
Os cientistas internacionais que agora escrevem ao Ministério da Agricultura dizem que o guia recomenda refeições saudáveis, e que essas são constituídas por comidas frescas, preparadas com o mínimo de ingredientes processados (como sal, açúcar, óleos e gorduras),
“A diretriz recomenda evitar comidas ultraprocessada. Essas são definidas precisamente pela classificação Nova. Elas incluem bebidas doces, salgadinhos e doces de pacotes, cereais de café-da-manhã adocidados, produtos reconstituídos de carne e pratos prontos para aquecer. Quanto menos desses itens forem consumidos melhor.”
Identificação de forma prática, e não classificação
A nota técnica do Ministério de Agricultura pede uma revisão do Guia Alimentar e “a recomendação mais forte nesse momento é a imediata retirada das menções a classificação Nova no atual guia alimentar e das menções equivocadas, preconceituosas e pseudocientíficas sobre os produtos de origem animal”.
O grupo de 33 cientistas afirma que a nota ignora as consultas a nutricionistas e profissionais de todos os estados brasileiros e a indústria alimentar antes da aprovação pelo Ministro da Saúde.
Os acadêmicos ponderam que a nota do Ministério da Agricultura diz que é cômico definir alimentos ultraprocessados pelo número de ingredientes que contêm, mas que essa é apenas uma forma prática de identificar esses produtos, e que a definição está precisamente indicada nas diretrizes.
Crescimento do consumo
“É difícil entender por que a nota [do Ministério da Agricultura] não menciona o rápido crescimento recente do consumo de alimentos ultraprocessados em todo o Brasil e na maioria dos países do mundo, nem o impacto negativo desses alimentos na saúde”, continuam os cientistas estrangeiros.
Os ultraprocessados, de acordo com eles, estão relacionados a uma série de doenças não- transmissíveis com origem na dieta, afirmam.
O Guia Alimentar: ‘descasque mais’
Lançado em novembro de 2014 pelo Ministério da Saúde, o Guia Alimentar tem como máxima o consumo mínimo de alimentos ultraprocessados.
“Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. A regra de ouro é: descasque mais e desembale menos”, informa o texto do Guia Alimentar de 2014.
Alimentos ultraprocessados são aqueles fabricados pela indústria com a adição de gordura, sal, açúcar, conservantes e demais substâncias que alteram o alimento in natura. São exemplos:
Refrigerante
Carne processada, como salsichas e hambúrgueres
Biscoitos industrializados
Salgadinhos
Macarrão instantâneo
Alimentos in natura são aqueles vindos diretamente de plantas ou de animais, que não sofreram qualquer alteração após deixarem a natureza. São exemplos:
Verduras e legumes
Grãos
Frutas
Ovos
Leite
A Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que os países adotassem guias de alimentação como forma de prevenis doenças como obesidade e diabetes a partir da década de 1980.
Tanto a FAO como a OMS recomendam uma dieta rica em cereais integrais, legumes, frutas e vegetais, assim como o consumo reduzido de carne e de alimentos com alto teor de gordura e de açúcar.