Há dez anos, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze tomavam posse no Tribunal da Cidadania
O catarinense Marco Buzzi e o fluminense Marco Aurélio Bellizze completam neste domingo (5) uma década de atuação como ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em entrevista no dia 5 de setembro de 2011, pouco antes de tomarem posse, os dois magistrados demonstravam preocupação com o grande volume de demandas judiciais: Marco Buzzi defendia estímulos às soluções alternativas de conflitos, como a mediação e a conciliação; e Marco Aurélio Bellizze criticava a falta de critérios no uso de habeas corpus, que banalizava esse instrumento constitucional e contribuía para abarrotar a pauta dos tribunais.
Ambos ingressaram em vagas destinadas a membros das cortes estaduais. Uma década depois, o tribunal que passaram a compor continua às voltas com números colossais (204.980 novos processos só no primeiro semestre deste ano), mas apresenta um histórico de sucessivos recordes de produtividade.
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Marco Buzzi é natural de Timbó (SC) e mestre em ciência jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), instituição na qual se formou e onde foi professor de diversas disciplinas do curso de direito.
Ingressou na magistratura em 1982 e foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) em 2002. Antes da carreira jurídica, atuou como jornalista em seu estado. Atualmente, faz parte da Segunda Seção e da Quarta Turma do STJ, colegiados especializados em direito privado.
Um dado expressivo de sua atuação no Tribunal da Cidadania é a redução do estoque processual nos últimos anos: entre 2018 e 2020, a redução do número de processos em seu gabinete foi de 53%.
Nascido na cidade do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Bellizze tem graduação e mestrado em direito pela Universidade Estácio de Sá. Antes do STJ, atuou como advogado, procurador municipal, juiz eleitoral, juiz de direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
É professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), autor e palestrante. Na corte superior, integra a Segunda Seção e a Terceira Turma, órgãos de direito privado.
Para o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, os dois magistrados são exemplos do compromisso do Tribunal da Cidadania com a celeridade da prestação jurisdicional e a segurança jurídica.
"Feliz o tribunal que pode contar com os conhecimentos jurídicos e humanísticos dos ministros Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze. São dez anos de esforço e comprometimento com o direito brasileiro", comentou.
Na sequência, alguns julgamentos marcantes dos ministros nessa primeira década de atuação na corte.
Capitalização de juros exige previsão contratual
Em 2017, Marco Buzzi foi o relator do REsp 1.388.972, julgado pela Segunda Seção sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 953). O colegiado consolidou o entendimento de que a capitalização de juros nos contratos de mútuo somente é possível com previsão contratual.
Segundo o relator, a capitalização (conhecida como juros sobre juros), para ser lícita, exige a anuência do mutuário, que deve ser informado das condições antes de assinar o contrato com a instituição financeira.
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O ministro destacou que a previsão legal da capitalização não significa que ela possa ser aplicada automaticamente, como defenderam o banco HSBC (parte no processo julgado) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que atuou como amicus curiae.
Autocomposição é possível a qualquer tempo
No final de 2017, Marco Buzzi relatou na Quarta Turma um processo em segredo de Justiça que serviu de exemplo dos esforços que devem ser empregados na promoção de soluções extrajudiciais de conflitos – como a conciliação.
A demanda de pensão alimentícia foi ajuizada na vara de família e, posteriormente, as partes firmaram acordo. No STJ, o Ministério Público questionou a homologação do ajuste após o ajuizamento da ação.
Em seu voto, acompanhado pelos demais ministros do colegiado, Buzzi destacou que é inadiável a mudança de mentalidade por parte da sociedade quanto à busca da sentença judicial como única forma de resolver controvérsias.
"A providência de buscar a composição da lide quando o conflito já foi transformado em demanda judicial, além de facultada às partes, está entre os deveres dos magistrados, sendo possível conclamar os interessados para esse fim a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição", resumiu o ministro.
Símbolo partidário pode ser registrado no INPI
Ainda na Quarta Turma, o ministro Buzzi foi o relator, em 2021, do REsp 1.353.300, no qual o colegiado decidiu ser possível o registro de símbolos político-partidários como marca pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O magistrado afirmou que não há impedimento na Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) para que a autarquia reconheça tais emblemas como propriedade dos partidos.
O colegiado também entendeu ser possível que agremiações políticas (associações civis ou partidos) explorem economicamente o uso de sua marca em produtos ou serviços, ainda que não exerçam atividade empresarial.
"Não há qualquer empecilho, portanto, para que uma pessoa jurídica de direito privado, que não exerça propriamente atividade empresária, registre sua marca e realize posteriormente o seu licenciamento para exploração empresarial por terceiros", concluiu.
Primeiro IAC admitido no tribunal
Coube ao ministro Marco Aurélio Bellizze relatar, no âmbito do REsp 1.604.412, o primeiro pedido de admissão de Incidente de Assunção de Competência (IAC) do STJ, em fevereiro de 2017. O instituto foi fortalecido pelo Código de Processo Civil de 2015.
Na aprovação do IAC, o magistrado destacou a relevância das questões jurídicas do recurso analisado e a divergência de entendimentos entre a Terceira e a Quarta Turmas do tribunal.
Em junho de 2018, a Segunda Seção julgou o IAC e estabeleceu teses a respeito da incidência da prescrição intercorrente. Os entendimentos do colegiado podem ser verificados na página de precedentes qualificados do STJ.
A criogenia e a vontade do falecido
No ano seguinte, o ministro relatou na Terceira Turma um processo que discutia questão inédita na corte: saber se há exigência de formalidade específica para a manifestação da vontade do indivíduo sobre o destino de seu próprio corpo após a morte, bem como se é possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia, caso esse fosse o desejo expressado em vida.
A criogenia é a técnica de preservação do cadáver em temperaturas extremamente baixas, na esperança de que ele possa ser ressuscitado no futuro, caso sobrevenha alguma importante descoberta médica ou científica.
A controvérsia foi instaurada entre as filhas do falecido. Enquanto a recorrente buscava mantê-lo submetido ao procedimento de criogenia nos Estados Unidos, sustentando ser esse o desejo manifestado em vida por seu pai, as recorridas pretendiam promover o enterro tradicional.
O colegiado seguiu a posição do ministro Bellizze, o qual observou que, embora não haja previsão legal da criogenia como destinação do corpo, a legislação também não a impede. Além disso, havia a manifestação em vida do próprio falecido, que desejava a preservação por meio do congelamento, fato demonstrado pela recorrente, que morou com o pai por mais de 30 anos, após ele ter se divorciado da mãe das recorridas (REsp 1.693.718).
Preservação da garantia fiduciária
Em 2017, na Segunda Seção, Bellizze foi autor do voto vencedor no julgamento do REsp 1.622.555, que reconheceu a inaplicabilidade da teoria do adimplemento substancial no âmbito de contrato de financiamento de veículo, com alienação fiduciária em garantia, regida pelo Decreto-Lei 911/1969.
No julgamento, o magistrado afirmou ser "de todo incongruente inviabilizar a utilização da ação de busca e apreensão na hipótese em que o inadimplemento revela-se incontroverso, desimportando sua extensão, se de pouca monta ou se de expressão considerável, quando a lei especial de regência expressamente condiciona a possibilidade de o bem ficar com o devedor fiduciário ao pagamento da integralidade da dívida pendente".
Segundo Bellizze, "a aplicação da teoria do adimplemento substancial, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, é um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, com o nítido propósito de desestimular o credor – numa avaliação de custo-benefício – de satisfazer seu crédito por outras vias judiciais, menos eficazes, o que, a toda evidência, aparta-se da boa-fé contratual propugnada".
O magistrado ressaltou, na ocasião, que "a propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, resta comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial".