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Maurice Hilleman, o médico que criou a vacina mais rápida da história por causa da filha de 5 anos

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Maurice Hilleman, o médico que criou a vacina mais rápida da história por causa da filha de 5 anos


Microbiologista americano produziu em quatro anos imunização contra a caxumba, coletando amostra da garganta da filha; cientista que foi seu colega espera que o recorde seja superado agora, na busca por um medicamento contra a covid-19. ‘Nunca conheci ninguém tão esperto, mas tão grosseiro. (Mas) quem dera ele estivesse vivo (para produzir vacina contra covid-19), porque apontaria e diria: ‘este é o caminho’. E teria a razão, como sempre’, diz ex-colega de Maurice Hilleman
Science Photo Library/BBC
Uma das perguntas mais repetidas nesta pandemia é: quanto tempo leva para se criar uma vacina?
Não existe uma resposta única, mas sabemos que o trabalho mais rápido até hoje é obra de um homem pouco conhecido do grande público, embora sirva de inspiração para desenvolvedores de vacina da atualidade.
O médico americano Maurice Hilleman criou 40 vacinas para animais e seres humanos e, de 14 que são disponibilizadas habitualmente a crianças, nove foram criadas ou desenvolvidas por ele.
Hilleman era conhecido por ser duro, impulsivo, por usar uma linguagem vulgar, mas também por sua mente brilhante e sua lealdade a sua equipe. Seu amigo, o médico Anthony Fauci — hoje principal responsável pela política pública americana de combate à pandemia —, o descrevia como um “adorável rabugento”.
Ao mesmo tempo, era um pai carinhoso. E foi sua filha, Jeryl Lynn, que, aos 5 anos de idade, inadvertidamente o ajudou a desenvolver em tempo recorde sua vacina contra a caxumba.
“Meu pai tinha uma lista de doenças que ele achava que deveriam ser abordadas”, disse Jeryl à BBC.
Perto da morte
Nascido em 1919, durante a pandemia da gripe espanhola, na zona rural do Meio-Oeste americano, o próprio Hilleman é considerado um sobrevivente.
“Era o mais jovem de nove filhos. Sua mãe e sua irmã gêmea morreram no parto”, conta a filha.
“Ele foi criado pelos tios que viviam ao lado. A família era muito pobre. Tiveram de lidar com momentos muito difíceis, períodos de seca, inundações, frio extremo. Um de seus irmãos morreu de apendicite.”
A morte, conta Jeryl, “estava constantemente ao seu redor, e acho que isso criou parte do impulso e do desejo de ser útil, que ele manteve ao longo da vida.”
Primeiras vacinas
O primeiro trabalho de Hilleman foi em um armazém local, mas seus irmãos o convenceram a se matricular na Universidade Estatal de Montana. E, depois de se formar em microbiologia com as melhores notas de sua turma, se mudou para Chicago para um doutorado.
“Isso era muito raro naquela época, em sua área de atuação. Ele recebia uma bolsa e não tinha dinheiro. Sua dieta era um cachorro-quente por dia”, prossegue Jeryl.
A tese de doutorado de Hilleman foi inovadora. Em 1944, com apenas 25 anos, ele demonstrou que a clamídia não era um vírus, e sim uma bactéria, tratável com antibióticos.
Mas abandonou a carreira acadêmica para trabalhar para uma empresa farmacêutica e para o Exército americano. Desenvolveu uma vacina para a encefalite japonesa, um vírus que causa dano cerebral. E mostrou como os vírus da gripe sofrem mutações anuais — e como atualizações de vacina, portanto, podem prevenir pandemias.
Descoberta dentro de casa
Quando Jeryl Lynn nasceu, seu pai já havia ajudado a salvar milhões de vidas.
“Na minha infância e na maior parte de sua vida, meu pai trabalhou para a Merck, a grande empresa farmacêutica, e ele sempre estava em casa para o jantar todas as noites”, lembra.
“Tínhamos conversas agradáveis no jantar e depois lavávamos a louça e ele ia ao seu escritório. Eu entrava e saía de lá o tempo todo e ele sempre me dava atenção, mas continuava trabalhando.”
Em 1963, quando Jeryl tinha cinco anos, acordou no meio da noite se sentindo mal.
“Em vez de me dar um copo d’água e voltar a me acomodar na cama, ele pegou o manual da Merck, um compêndio sobre doenças, para buscar os sintomas”, lembra. E, quando ela voltou a dormir, Hilleman começou a trabalhar.
Correu ao laboratório no meio da noite e voltou para casa com um cotonete e uma placa de Petri, para coletar uma amostra da mucosidade da garganta da filha.
Ele estava certo de que Jeryl tinha caxumba, mas não sabia de qual cepa. Algumas formas são relativamente inofensivas, mas outras infectam o cérebro e a medula espinhal, causando meningite e até perda de audição.
“Foi uma sorte ou fortuito que esse homem, provavelmente o maior criador de vacinas do mundo, tivesse uma filha infectada por uma cepa de caxumba que não era particularmente provável que infectasse o cérebro e a medula, de modo que, quando a vacina foi feita, acabou sendo notadamente segura”, conta à BBC Paul Offit, professor de Pediatria e Imunologia da Universidade da Pensilvânia.
“Eu costumava tirar sarro dizendo que era uma prova de como eu era uma boa filha, que até pegou a doença de forma correta”, brinca Jeryl.
Como Hilleman trabalhava na indústria farmacêutica, tinha recursos para desenvolver, testar e produzir em massa a vacina.
“Ele se envolveu apaixonadamente em todo o processo. Há muita coordenação para poder entregar uma vacina, e meu pai dirigiu o projeto até o final.”
Nos anos 1960, os ensaios clínicos eram menores e mais rápidos do que hoje, com menos regulamentação. Depois de testes em 1966, a vacina foi licenciada em dezembro de 1967, ou seja, o processo todo durou quatro anos.
Embora o vírus da caxumba tivesse sido isolado inicialmente em 1945, e uma vacina tivesse sido desenvolvida em 1948, ela produzia imunidade apenas temporária, informam os Centros de Controle de Doenças dos EUA. A vacina da cepa Jeryl Lynn, como é chamada, é feita de vírus atenuado vivo e usada até hoje.
Jeryl e sua irmã, Kirsten, foram umas das primeiras a testá-las.
Hilleman combinou sua vacina contra a caxumba às que desenvolvera contra o sarampo e a rubéola, criando uma única dose — a Tríplice Viral.
E, embora a da caxumbra seja a mais rapidamente já desenvolvida, é só uma das dezenas produzidas por Hilleman.
“Ele nunca se dava por satisfeito. Quando fazia uma vacina, era só algo a ticar de sua lista”, conta Offit, que trabalhou com Hilleman nas décadas de 1980 e 90.
“Seu objetivo, embora impossível, era tratar de eliminar qualquer doença infecciosa que pudesse fazer com que uma criança sofresse, fosse hospitalizada ou morresse.”
Mas trabalhar com ele, conta Offit, era duro.
“Tinha sua forma de fazer as coisas, e tinha que ser (do jeito dele). Era muito legal com quem trabalhava para ele, mas esperava que trabalhassem igualmente duro, o que era praticamente impossível.”
“Nunca conheci ninguém tão esperto, mas tão grosseiro. Até o ponto de a Merck querer fazê-lo assistir um curso de sensibilização e ele se negar dizendo: ‘O que é isto? Uma escola paroquial?’.”
Offit espera que o recorde de seu antigo colega seja rompido agora. O especialista é parte de uma das diferentes equipes globais debruçadas na busca de uma vacina para prevenir a covid-19.
“Quem dera ele estivesse vivo porque apontaria e diria: ‘Este é o caminho’. E teria a razão, como sempre.”
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