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Mulheres com câncer de mama sem cura recorrem à Justiça para planos de saúde arcarem com medicamento que aumenta sobrevida

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Mulheres com câncer de mama sem cura recorrem à Justiça para planos de saúde arcarem com medicamento que aumenta sobrevida


Chamados de inibidores da ciclina, são livre de efeitos colaterais graves e mais eficazes que a quimioterapia, mas custam até R$ 30 mil. Apesar de estarem registrados na Anvisa, não fazem parte do rol da ANS e não estão disponíveis no SUS. Ilustração mostra um dos tipos de câncer de mama
C. Bickel/Science Translational Medicine

Brasileiras com câncer de mama metastático, estágio mais avançado e incurável da doença, relatam ter que recorrer à Justiça para conseguir que planos de saúde paguem um medicamento liberado desde 2018 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O G1 ouviu pacientes que reagiram com esperança à liberação do remédio ribociclibe, droga capaz de prolongar a sobrevida, diminuir o tumor e substituir a quimioterapia. Para garantir o tratamento oral, versão menos invasiva do medicamento, elas relatam a necessidade de lutar por liminares ou bancar sozinhas o tratamento que pode custar até R$ 30 mil por mês.
Além da ribociclibe, a Anvisa registrou no ano passado outras duas drogas semelhantes para o tratamento do câncer de mama metastático, a palbociclibe e a abemaciclibe. Apesar do aumento das opções, as fontes relatam que o acesso a qualquer uma dessas drogas é difícil. (Veja mais abaixo)
Desenvolvidas e utilizadas na Europa e nos Estados Unidos há pelo cinco anos, o tratamento oncológico com as “ciclibe” é considerado o mais moderno para pacientes na fase mais avançada e incurável da doença.
“Eles [medicamentos] se tornaram, desde que chegaram ao Brasil, tratamento de primeira escolha para o câncer de mama metastático”, explica o mastologista Francisco Pimentel, da Sociedade Brasileira de Mastologia.
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Para o tratamento oral ter o efeito esperado, o oncologista Max Senna Mano, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), explica que ele precisa ser combinado com bloqueadores hormonais, um tratamento antigo, usado na mastologia desde a década de 1970.
“A combinação de tratamentos, os remédios mais a hormonioterapia, duplicam o tempo de controle do câncer para até mais de dois anos e aumenta muito as chances do tumor diminuir. Os efeitos são impressionantes”, afirma Mano.
A aposentada Doracilde Carvalho, de 72 anos, está em tratamento com a ribociclibe e hormonioterapia há dez meses. Ela não precisou passar por nenhum tratamento invasivo, como radioterapia, nem teve efeitos colaterais graves.
“Meus últimos exames mostraram que a doença está estável e o tumor diminuiu. Estou bem”, conta.
Doracilde descobriu o câncer de mama – este já é o seu terceiro – no começo do ano. Desta vez, o câncer retornou com metástase no cérebro.
“Meu médico receitou a ribociclibe em janeiro, assim que os exames mostraram que o câncer tinha voltado e que tinha metástase no cérebro”, conta.
Enquanto nos tratamentos anteriores , em 1997 e em 2013, Doracilde teve que passar por cinco quimioterapias, mastectomia e todos os efeitos colaterais resultantes dos tratamentos invasivos, o médico explicou que, desta vez, seria diferente: o tratamento com os comprimidos da ribociclibe seria realizado em casa, via oral, de forma indolor e com efeitos colaterais mínimos.
Quando entrou com o pedido da ribociclibe ao plano de saúde, o mesmo que ela e o marido pagam há mais de 20 anos, Doracilde teve uma surpresa: o plano se recusou a arcar com o tratamento.
“Ficamos muito preocupados, tão preocupados que chegamos a comprar a primeira caixa do remédio, que custou R$18 mil”, lembra a aposentada.
Doracilde foi diagnosticada com câncer de mama metastático em janeiro. Ela teve que entrar na Justiça contra o plano de saúde para ter acesso ao tratamento, que custa R$18 mil por mês.
Arquivo pessoal
Sem o dinheiro para comprar a segunda caixa, a aposentada recorreu à Justiça para que o plano de saúde arcasse com a medicação.
“Estávamos desesperados, pensando em fazer vaquinha no condomínio para comprar o segundo mês do tratamento. Eu e meu marido não dormíamos pensando se o remédio chegaria. É muito triste ter mais essa preocupação, num momento desse, que você acaba de descobrir que o câncer retornou”, lembra Doracilde.
Poucos dias antes de terminar a primeira caixa, a Justiça obrigou o plano de saúde a arcar com remédio enquanto durar o tratamento. Apesar de fornecer regularmente a medicação desde a liminar da Justiça, o convênio não reembolsou Doracilde os R$ 18 mil gasto no primeiro mês.
ANS é ‘obstáculo ao tratamento’ oral
Apesar dos benefícios comprovados cientificamente e de estarem registrados na Anvisa há mais de dois anos no caso da ribociclibe, os três medicamentos não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
Eles também não fazem parte do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde responsável por regular os planos de saúde, que têm usado este descompasso para se recusarem a cobrir o tratamento.
Assim, na prática, tem acesso ao tratamento com as “ciclibe” no Brasil somente quem pode arcar com os valores de cada caixa do remédio, que custa entre R$ 10 mil e R$ 30 mil e é suficiente para um mês de tratamento.
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Mano explica que o rol de procedimentos da ANS tem sido usado como justificativa para os planos de saúde se recusarem a cobrir qualquer tratamento oral de câncer, e não somente o mamário.
“Temos um problema grave de acesso aos medicamentos orais em todos os tratamentos oncológicos no Brasil. Isso porque a ANS é um obstáculo adicional ao tratamento oral de câncer” diz Mano.
O oncologista explica que a medida é grave principalmente porque os tratamentos mais modernos da oncologia estão deixando de ser intravenoso e migrando para o oral.
“Tudo o que é medicamento oral, mesmo aprovado pela Anvisa, não entra no rol da ANS ou entra com muito atraso. Se a medicação fosse injetável, não passaria pela barreira da agência. Não faz o menor sentido diferenciar medicação oral e injetável se as duas são usadas para tratar a mesma doença”, explica.
O G1 entrou em contato com o Ministério da Saúde sobre a critica de que há demora para a entrada dos medicamentos para o rol da ANS e se há intenção do governo de incluir no SUS a ribociclibe, palbociclibe e abemaciclibe no SUS. Até a mais recente atualização desta reportagem, o ministério não se pronunciou sobre o tema.
Desde o ano passado, circula no Congresso um projeto de lei (PL 6.330/2019) que obriga os planos de saúde a cobrirem imediatamente tratamentos de uso oral com registro na Anvisa, sem a necessidade de aguardar a inclusão na lista da ANS. O texto ainda precisa ser votado na Câmara.
Plano de saúde tem que arcar
A vendedora Adriana Aragon de Oliveira, de 46 anos, teve o primeiro câncer de mama em 2016 e passou por radioterapia e mastectomia. No ano passado, o câncer regressou com metástase no pulmão.
“Perguntei à médica do convênio sobre a ribociclibe. Ela me respondeu que nem em sonho poderia receitar o remédio, ou o plano a mandaria embora”, conta Adriana.
Mesmo pagando o plano de saúde, Adriana resolveu se consultar em um médico particular para saber se o seu caso seria mais bem tratado com o medicamento oral.
“O médico particular me receitou a ribociclibe. Então, entrei com o pedido do medicamento, mas o plano me enrolou por semanas para depois negar. Fiquei perdendo tempo”, lembra.
Adriana descobriu o câncer de mama metastático em maio de 2019, mas conseguiu ter acesso ao medicamento apenas 4 meses depois.
Arquivo pessoal
Foi então que Adriana procurou um advogado e levou o caso para a justiça.
“O juiz foi muito rápido, deu uma liminar em questão de dias obrigando o plano de saúde a fornecer o medicamento, mas o plano não cumpria os prazos. Para ter noção, fui diagnosticada com o câncer de mama metastático em maio e tivesse acesso aos medicamentos orais somente em setembro”, relata a paciente.
De acordo com a advogada Tatiana Kota, especialista em direito à saúde, os planos de saúde são obrigados a arcar com os medicamentos via oral.
“Por não estarem no rol da ANS, os planos de saúde entendem que não são obrigados a fornecer os medicamentos usados via oral. Mas, se estão registrados na Anvisa, eles têm que arcar, sim”, esclarece Kota.
A advogada conta que, desde que os medicamentos chegaram ao Brasil, cada vez mais mulheres com câncer de mama em estágio avançado têm procurado a Justiça em busca do tratamento.
“Atendemos, por semana, de 3 a 5 casos relacionados a pacientes buscando a cobertura deste tratamento de câncer de mama”, diz Kota.
Apesar de ser um processo demorado – costuma durar dois anos – a advogada afirma que a Justiça tem concedido liminares em até uma semana obrigando os planos de saúde a fornecerem a ribociclibe, palbociclibe ou a abemaciclibe.
“A Justiça tem sido rápida nestes casos. Afinal, são pacientes em estágio avançado que não têm tempo a perder”, explica.
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Vida normal
Os três medicamentos de uso oral são classificadas como inibidores de ciclina, uma enzima responsável pela divisão celular. Quando a ciclina deixa de ser produzida, o ciclo celular é interrompido, impedindo a proliferação de células tumorais.
“As três são drogas parecidas, que atacam o mesmo mecanismo celular, a diferença é que são de indústrias diferentes”, explica o mastologista Pimental.
Na prática, ao interromperem a divisão celular, essas drogas não deixam que o câncer se espalhe para outros órgão.
“Pacientes que usaram esses medicamentos tiveram maior sobrevida livre de progressão [cenário em que o câncer permanece estável, não progride] e maior sobrevida global, que, em outras palavras, é viver mais e melhor”, afirma Pimentel.
Para registrar a ribociclibe no Brasil, a Anvisa considerou um estudo publicado na revista Lancet Oncology em 2018, conduzido pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que envolveu 672 pacientes de câncer de mama metastático.
As pacientes foram divididas em dois grupos. Um deles passou pelo tratamento da hormonioterapia combinada com a ribociclibe, enquanto que o outro grupo recebeu por hormonioterapia e placebo. O grupo que tomou a droga teve, entre outros ganhos, uma sobrevida livre de progressão de 10,8 meses.
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Para o oncologista Mano, o principal ponto positivo dos inibidores da ciclina é a melhora na qualidade de vida do paciente, seja porque o remédio controla a doença, seja porque o tratamento oral não é invasivo como o intravenoso (como radioterapia e quimioterapia, por exemplo).
“O tratamento do câncer metastático tem dois objetivos: prolongar a sobrevida, fazendo a pessoa viver o máximo de tempo possível, e promover qualidade de vida, ou seja, que o paciente tenha menos sintomas”, diz Mano.
“O paciente que está com a doença controlada está levando uma vida normal, trabalhando, realizando as atividades do dia a dia. E isso a gente conseguiu com estes inibidores”, afirma o oncologista.
Quimioterapia virou última opção
Cinco anos atrás, antes dos inibidores da ciclina existirem, o tratamento de câncer metastático era feito com hormonioterapia e, se a doença progredisse, receitava-se a quimioterapia.
“Antes dos inibidores, a gente conseguia controlar a doença [estágio em que não é necessária a quimioterapia] por apenas um ano, um ano e dois meses. Agora, conseguimos estabilizar a doença por muito mais tempo, pelo dobro do tempo”, explica Mano.
Um dos pacientes de Mano começou a tomar os inibidores da ciclina há quatro anos e está todo este período com a doença controlada e sem precisar de quimioterapia.
“Atualmente, a quimioterapia é usada no câncer metastático apenas como última opção, depois que já tentamos a hormonioterapia associada aos inibidores da ciclina”, diz.
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