Mulheres têm resposta imune mais eficiente ao coronavírus do que os homens, sugere estudo liderado por brasileiros
Cientistas detalharam diferenças na resposta imune entre os sexos. Pesquisa foi publicada na revista científica ‘Nature’, uma das mais importantes do mundo, nesta quarta-feira (26). Agente de saúde guia pacientes para testagem de Covid-19 em Seoul, na Coreia do Sul, nesta quarta-feira (26).
Ahn Young-joon/AP
Uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (26) na revista científica “Nature”, uma das mais importantes do mundo, sugere que as mulheres têm uma resposta imune mais eficiente ao novo coronavírus (Sars-CoV-2) do que os homens. O estudo é liderado por pesquisadores de vários países, inclusive brasileiros, na Universidade de Yale.
Os cientistas analisaram 98 pacientes (47 homens e 51 mulheres) e concluíram que as mulheres desenvolveram uma resposta mais eficiente das células T, um tipo de célula de defesa do corpo, do que os homens, o que contribuiu para que desenvolvessem menos casos graves.
Além disso, elas tiveram menos respostas inflamatórias à doença do que os homens.
“Existe uma diferença na resposta contra o vírus, com os homens desenvolvendo uma resposta inflamatória acentuada e as mulheres, uma resposta de células T mais eficiente”, explica Carolina Lucas, pesquisadora brasileira de pós-doutorado em imunobiologia em Yale e uma das líderes do estudo.
Carolina Lucas, pesquisadora brasileira em Yale
Divulgação/Yale
A resposta inflamatória à Covid-19 é uma reação “exagerada” do sistema imune, que causa a chamada “tempestade de citocinas” no corpo e pode levar à morte.
Em um estudo anterior, o grupo de pesquisa da brasileira em Yale mostrou que essa reação exagerada no início da doença pode prever se a pessoa terá complicações pela infecção.
Como já era esperado, os cientistas perceberam, nesta pesquisa, que essas citocinas estavam elevadas em todos os pacientes com Covid-19 quando comparados ao grupo controle (que não tinha a doença). Mas os homens tiveram mais citocinas do que as mulheres, explica Lucas.
“Por outro lado, as mulheres não têm essa inflamação acentuada e têm uma resposta de células T mais robusta”, afirma Carolina Lucas.
As células T fazem parte da resposta imune do corpo e têm, entre outras funções, destruir células infectadas com qualquer tipo de vírus (inclusive o Sars-CoV-2).
Resposta se manteve mesmo nas mais velhas
Os cientistas também perceberam que as mulheres mantiveram essa eficiência na resposta imune mesmo em idades avançadas, o que não ocorreu com os homens. A idade é um fator de risco para a Covid-19: quanto mais velha for a pessoa, maior é a chance de que ela desenvolva um quadro grave da doença e venha a morrer.
“As mulheres, mesmo de 90 anos, estão mantendo uma resposta de mulheres mais novas, mas a gente não vê isso em homens. Com o passar da idade, os homens têm um declínio na resposta imune”, destaca a cientista brasileira.
Desde o início da pandemia, os cientistas já vinham percebendo que os homens tinham uma tendência a quadros mais graves da Covid-19, mas ainda não está totalmente esclarecido por que isso acontece. A pesquisa do grupo tentou contribuir nesse sentido.
Lucas alerta que desenvolver um quadro grave da doença não depende apenas do sistema de defesa do corpo.
“O que a gente tentou fazer foi caracterizar a resposta imune. Mas é muito mais complexo: existem diferenças hormonais, comportamentais, que podem ser associadas com um quadro mais grave. Por exemplo, na China, os homens são mais fumantes do que as mulheres, e isso pode ter tido uma contribuição para o desenvolvimento de quadros mais graves”, lembra.
Por outro lado, ressalva a pesquisadora, “apesar da boa notícia quanto à resposta imunológica, é importante lembrar que mulheres estão mais vulneráveis economicamente e socialmente nesta pandemia, com maior desemprego, queda de renda, menor produção, maiores taxas de violência doméstica e feminicídio”, destaca.
Implicações para vacina
No estudo, os cientistas também levantam a possibilidade de que uma eventual vacina para a Covid-19 pode beneficiar os homens se estimular, de alguma forma, a atuação das células T.
“Se uma vacina puder aumentar as respostas de células T masculinas melhor do que o vírus, isso beneficiará os homens”, afirmou a pesquisadora Akiko Iwasaki, autora sênior do estudo, ao G1.
“Por outro lado, em algumas mulheres com citocinas inflamatórias elevadas, direcioná-las com terapia anti-inflamatória pode ser benéfico”, ponderou Iwasaki. Em sua conta no Twitter, a pesquisadora lembrou que “sexo importa quando estamos falando de prevenção e tratamento da Covid-19”.
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Carolina Lucas afirma que o fato de ser homem já significa um fator de risco para o paciente.
“Obviamente, qualquer vacina que tente entender melhor os grupos de risco seria seria mais interessante, porque são os grupos mais afetados. Tudo isso teria que ser levado em conta para gerar uma vacina funcional, sabendo que essas pessoas têm essas limitações”, avalia.
“Isso não vai causar nenhum dano para uma mulher. Ela, pelo simples fato de ser mulher, já tem uma resposta um pouco diferente, já tem um benefício por ter essa resposta diferente, mas essa vacina não vai ser prejudicial”, diz Lucas.
“Então, se a gente conseguir olhar para coisas que não estão funcionando tão bem em grupos de risco, vai conseguir gerar uma vacina eficiente para todo mundo. E o objetivo da imunização em massa, mesmo o conceito de imunidade de rebanho, é que você consiga proteger, principalmente, o grupo de risco”, lembra.
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