Os desafios da aviação na busca pela sustentabilidade
Renata Faber
A indústria da aviação tem o importante papel social de conectar pessoas e transportar mercadorias de forma rápida e segura, mas essa comodidade tem um alto custo ambiental. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o setor de aviação é responsável por aproximadamente 2% das emissões globais de CO2 produzidas pela atividade humana, sendo a aviação internacional responsável por cerca de 1,3% das emissões globais de CO2, enquanto a aviação doméstica responde pelo 0,7% restante.
Em 2009, o setor de transporte aéreo foi a primeira indústria global a se comprometer com a redução das emissões de carbono em escala mundial. Naquela ocasião, o setor anunciou os planos de reduzir as emissões pela metade, até 2050, quando comparado a 2005. Esse objetivo seria alcançado com base em três pilares: I) aumentar a eficiência de combustível em 1,5% ao ano entre 2010-20; II) desenvolver instrumentos para alcançar um crescimento neutro em carbono para viagens aéreas internacionais a partir de 2020; e III) desenvolver novas tecnologias para reduzir as emissões do setor. O ponto I tem sido alcançado com sucesso. A eficiência de combustível do setor melhorou, em média, mais de 2% ao ano na última década. O ponto II também foi abordado, com a implementação do Corsia. O ponto III (“novas tecnologias”), é o grande desafio enfrentado pela indústria – e a neutralidade de carbono neste caso não pode ser alcançada sem o desenvolvimento de novas tecnologias.
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O que é Corsia?
A fim de tentar limitar o impacto ambiental do setor, a Organização da Aviação Civil Internacional (Icao) resolveu que seus estados-membros trabalhariam juntos para manter as emissões líquidas globais de CO2 da aviação internacional a partir de 2020 no mesmo nível (o chamado “crescimento neutro em carbono a partir de 2020”). Portanto, em 2016, os governos adotaram o Corsia, o Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional. O Corsia começou como um projeto piloto em 2021 com quase 100 países participantes, e o restante deve embarcar até 2027. As companhias aéreas brasileiras terão de fazer parte do Corsia (e, portanto, ter um crescimento neutro em carbono em voos internacionais) a partir de 2027.
Novas tecnologias
Para se tornar verde, a indústria da aviação terá de desenvolver novas tecnologias. Quando olhamos para as emissões de carbono de uma companhia aérea, mais de 99% estão concentradas no escopo 1, sendo relacionadas ao combustível. Portanto, a sustentabilidade do setor depende de combustíveis sustentáveis e aeronaves que consumam menos ou nenhum combustível.
O Combustível para Aviação Sustentável (SAF) já existe e tem potencial para reduzir as emissões do setor em até 80%, mas o desafio enfrentado pela indústria neste momento é “como aumentar a escala e diminuir os custos” do SAF.
Se a indústria continuar contando com as tecnologias atuais, a sustentabilidade do setor dependerá exclusivamente do SAF. Mas, para evitar esse cenário, a indústria está investindo para desenvolver tecnologias disruptivas, como avião movido a hidrogênio ou aeronaves elétricas e/ou híbridas.
Um estudo da Waypoint 2050 fala sobre essas novas tecnologias. O hidrogênio é um combustível livre de carbono que pode ser utilizado em motores convencionais, em substituição ao combustível de aviação. O peso do hidrogénio é três vezes menor do que a mesma quantidade de combustível convencional, mas o seu volume, mesmo na forma líquida, é quatro vezes maior. Portanto, são necessários tanques muito maiores, bem como mudanças fundamentais no sistema de combustível da aeronave.
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Segundo a Waypoint 2050, “aeronaves elétricas de até nove lugares já estão voando pelo menos para teste. Aeronaves elétricas de até 19 assentos estão planejadas para o final da década de 2020 e aeronaves regionais para a década de 2030. A Noruega tem o objetivo de operar todos os voos domésticos e de curta distância eletricamente até 2040. Pequenos aviões (de 15 a 20 assentos) com propulsão elétrica/híbrida são esperados durante esta década, aeronaves regionais em 2030 e possivelmente maiores a partir de 2040”.
Compensação de carbono, SAF, novas aeronaves… De quais investimentos e custos estamos falando?
Se as companhias aéreas simplesmente compensassem suas emissões de carbono, provavelmente seria um problema para uma indústria que historicamente teve margens baixas e voláteis. Considerando a receita das empresas em 2019, compensar as emissões de carbono representaria ao redor de 0,6% da receita das companhias brasileiras (assumindo um preço médio de 7 dólares por tonelada de crédito de carbono), mas esse número seria de até 3,6% se a tonelada de carbono fosse 35 dólares.
Portanto, antes de compensar suas emissões, as empresas devem trabalhar para reduzi-las. É por isso que o SAF e novas aeronaves (ou seja, elétricas, híbridas ou a hidrogênio) são tão importantes. Essas tecnologias, no entanto, ainda estão em desenvolvimento. Como o custo e o capex seriam afetados pelas novas tecnologias? Impossível estimar neste momento, mas dois pontos a serem considerados são:
Os custos diminuem com a escala. De acordo com o relatório de sustentabilidade do IAG, o custo do SAF é atualmente três a quatro vezes o custo dos combustíveis fósseis. A oferta de SAF é limitada neste momento e o processo de produção ainda está acelerando. Na nossa opinião, o preço de uma aeronave a hidrogênio ou o custo do SAF atualmente não deve ser proxy se esses mercados crescerem. A “Lei de Wright” nos ensina que aprendemos fazendo, e a curva de experiência não pode ser ignorada. Por coincidência, o artigo de Theodore Paul Wright sobre sua “lei” foi denominado “Fatores que afetam os custos dos aviões”, pois as descobertas ocorreram enquanto ele estudava a fabricação de aviões.
Quando disponível em larga escala, SAF e aeronaves de baixa/nenhuma emissão de carbono serão o novo normal. A pressão enfrentada pelo setor de aviação para reduzir o impacto ambiental não diminuirá com o tempo – em nossa opinião, a pressão de passageiros, investidores e credores só aumentará. À medida que voar verde se torna o novo normal, oferecer um serviço sustentável não será uma escolha para as companhias aéreas e, portanto, todo o custo e capex do setor serão ajustados às novas tecnologias.
Quais são os planos das companhias aéreas brasileiras para chegar ao net zero?
Quando as empresas se comprometem com o “net zero” sob o SBTi (Science Based Targets Initiative), elas têm até dois anos para desenvolver uma estratégia de redução de emissões e enviar seus planos para aprovação. As companhias aéreas Azul, Gol e Latam já anunciaram seu compromisso de se tornarem net zero, mas ainda estão trabalhando em seus planos. A Azul espera atingir o net zero em 2045, enquanto a gol e a Latam se comprometeram com 2050. Os planos das três empresas também devem considerar o SAF e o uso de novas tecnologias.
O relatório completo está disponível para clientes no site do BTG Pactual Digital.
https://www.btgpactualdigital.com/analises/analises-de-acoes