Pesquisadores testam uma 'vacina genética' contra o vírus da zika
Pesquisa realizada por grupo de cientistas de diversas instituições americanas consegue resultados efetivos com vacinas genéticas em animais. Trabalho pode ajudar outros estudos na busca de imunizante contra a Covid. Os pontos brancos mostram interação do vírus da zika com células saudáveis.
Cincinnati Children’s Hospital
Aposta da ciência contemporânea, vacinas de RNA nunca foram aprovadas para uso humano. Mas há muitos pesquisadores pelo mundo debruçados sobre essa tecnologia. E um estudo publicado nesta sexta (7) pela revista “Science Advances” dá esperanças neste sentido, principalmente para o Brasil — bastante atingido pelo vírus da zika nos últimos anos.
A pesquisa, realizada por um grupo de cientistas de diversas instituições americanas, conseguiu resultados efetivos com vacinas genéticas em animais — primeiro em camundongos, depois em macacos-rhesus. Com uma das duas versões desenvolvidas, o índice de proteção foi total quando os animais, 49 dias depois de serem imunizados, foram submetidos ao vírus da zika.
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Um dos pesquisadores envolvidos, o biólogo molecular e bioquímico Dong Yu, diretor do setor de identificação de antígenos da unidade Estados Unidos da GSK Vaccines, afirma à DW Brasil que essa tecnologia “tem o potencial de impactar significativamente o futuro da ciência das vacinas”, por sua capacidade de provocar uma “resposta imunológica forte e sustentada” no organismo. “Os dados pré-clínicos mostram que o método é promissor”, ressalta.
Estudiosos trabalham no desenvolvimento de vacinas.
CDC/Unsplash
Tanto os envolvidos na pesquisa quanto cientistas brasileiros consultados pela reportagem, contudo, lembram que é preciso cautela. São vacinas ainda em início de desenvolvimento — e há um longo caminho até que possam ser comprovadamente consideradas seguras e eficientes para uso humano.
“Nunca foi feita nenhuma vacina por RNA ainda porque não houve oportunidade”, comenta o o médico infectologista Celso Granato, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “É verdade que se trata de uma tecnologia nova e sua vantagem, em tese, seria um desenvolvimento um pouco mais rápido. Mas vamos ver se funciona, já houve tentativas que não deram certo.”
“Em teoria, qualquer técnica para fazer vacinas pode ser aplicada para qualquer doença ou contra qualquer patógeno”, diz o médico Carlos Rodrigo Zárate-Bladés, diretor do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina. “Tudo precisa de teste: funciona? Não funciona? É viável economicamente? É o mínimo que precisa ser respondido na hora de pensar em fazer uma potencial vacina.”
Historicamente o RNA é uma molécula bem mais difícil de trabalhar no laboratório. De acordo com Zárate-Bladés, nos anos 1990, havia uma expectativa de que todas as novas vacinas fossem genéticas, mas baseadas em DNA, “mais estável e fácil de manipular” — contudo a técnica se mostrou pouco efetiva. Isso fez com que até hoje não exista vacina do tipo para uso humano. De DNA, há algumas de uso veterinário.
Covid
Mas veio a pandemia do novo coronavírus e a corrida é mundial pela descoberta, em tempo recorde, de um imunizante capaz de fazer o planeta voltar ao normal. Dentre as pesquisas mais avançadas em desenvolver a vacina, há exemplos que usam a ideia do RNA.
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Conforme explica o médico Jorge Elias Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), a técnica consiste em fazer com o RNA mensageiro entre na célula com uma mensagem da proteína imunogênica, desencadeando sua produção e exportação para fora da célula. O sistema imunológico, consequentemente, reconheceria isso como uma proteína estranha.
“Existem várias candidatas a vacinas [contra a covid-19] sendo testadas atualmente que funcionariam assim. Dentre elas, duas das mais avançadas”, comenta ele.
No caso da vacina contra zika cujo artigo foi publicado nesta sexta, Dong Ju e sua equipe fizeram adaptações na técnica para que o RNA se autoamplificasse. Esse foi o pulo do gato para que a imunização, ao menos nos testes com animais, fosse eficaz. Ele reconhece que em condições normais o desenvolvimento de uma vacina deve levar anos. Mas acha que as pesquisas urgentes que vêm sendo realizadas por conta do coronavírus podem ajudá-lo.
“Temos esperança de que a aceleração da tecnologia, por meio do processo colaborativo [com os pesquisadores de coronavírus], possa impactar os prazos de desenvolvimento de potenciais vacinas baseadas em RNA”, afirma o biólogo. “Mas isso precisa ser analisado à medida que formos acompanhando o progresso feito com as vacinas contra covid-19.”
Brasil
Depois do boom entre 2015 e 2016, os casos de zika no Brasil caíram significativamente. Se ao longo de 2016 foram registrados 215 mil infectados pelo vírus no país, nos primeiros seis meses de 2020 os dados do Ministério da Saúde indicam apenas 5 mil.
Não há uma explicação clara para o fenômeno. Segundo Granato, as hipóteses são de que o zika “perdeu na competição com outros vírus, como o da dengue, que segue firme e forte”; que a infecção tenha se tornado mais branda, do ponto de vista clínico; ou, menos provável para o médico, que nos locais onde o vírus teve mais impacto “a população de suscetíveis saturou”.
Se por um lado os dados indicam um bom cenário, por outro isso dificultaria a aprovação de uma vacina definitiva. Isto porque a fase 3 dos testes de um imunizante, segundo os protocolos, são os testes em massa. “O grande problema de uma vacina contra zika hoje é que não se pode chegar a essa fase, porque ela exige a doença ativa”, diz Kalil.
Isso não significa, de forma alguma, a interrupção das pesquisas. Conforme explica o médico, o melhor a ser feito é evoluir nas fases anteriores a essa final, deixando as vacinas “prontas”. “Então, se por acaso vier a começar algum novo surto de zika em qualquer lugar do mundo, é possível testá-la”, explica.
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