RPS Capital: Volatilidade da bolsa vai até 2022 e melhor ficou pra trás
Volatilidade tem sido a palavra de ordem no mercado financeiro brasileiro. O ambiente externo está pincelado de riscos, principalmente em razão do cenário de juros nos Estados Unidos e pelo repique de casos de covid-19 em alguns lugares do mundo, onde a variante delta se disseminou.
No retrato local, o que se destaca é o clima de guerra estabelecido pelo governo Jair Bolsonaro. Sem conseguir ancorar a inflação e sanar o possível desabastecimento de energia, em razão da falta de chuva nos reservatórios das usinas hidrelétricas, o governo ainda flerta com o descontrole fiscal e gesta pequenas crises políticas capazes de afugentar os investidores externos, mesmo em um contexto de liquidez global.
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Em meio a tantos riscos, a bolsa de valores brasileira tem vivido dias de muitos altos e baixos. O Ibovespa, principal índice do mercado, começou o ano próximo da casa dos 120 mil pontos, escalou até o recorde histórico de 130 mil pontos em junho, e desde então começou uma descida íngreme de volta ao mesmo nível de janeiro.
Aos investidores que esperam alguma melhora substancial, as notícias não são das melhores. Para Paolo Di Sora, sócio da gestora RPS Capital, a volatilidade veio para ficar.
Inflação, juros e recuperação global são os fatores de 2021 que continuarão a ditar um sobe e desce na bolsa. Para 2022, outros riscos entram na conta: a crise energética, o avanço dos gastos do governo federal, a alta dos juros nos Estados Unidos e uma conturbada eleição presidencial no Brasil.
“Será uma eleição polarizada. Não sabemos quem ganhará, mas o que dá para dizer é que vai haver muita volatilidade. Esse processo tenso retrai o consumo e afasta o investidor. Acredito que o melhor momento da bolsa ficou para trás”, diz Di Sora.
Leia a entrevista completa com o gestor:
A retomada da economia global vai ajudar a bolsa brasileira?
Estamos bastante otimistas com o cenário externo. Embora possivelmente o pico de aceleração do crescimento global tenha sido alcançado no segundo trimestre, vamos continuar a ter a ajuda dada pelos juros zerados. Os bancos centrais vão seguir forçando o investidor a tomar risco e a colocar dinheiro para rodar na economia real.
É bem verdade que os estímulos devem ser reduzidos, dado que economias estão saudáveis, o emprego voltou a crescer e a inflação começa a incomodar. Nos Estados Unidos, acredito que haverá uma retirada dos estímulos nos final de 2021 e uma alta dos juros já em 2022, mas será por um bom motivo. A economia está avançando, não faz sentido usar remédio de doente terminal se o crescimento está saudável.
Quais setores podem se beneficiar desse novo contexto?
O principal tende a ser o de commodities. Os programas de assistência de renda adotados durante a pandemia, os chamados coronavouchers, criaram uma tendência de melhora para o consumo, principalmente para a classe média. As commodities têm um peso maior na cesta de consumo das classes C e D, porque é uma camada da população que consome mais bens do que serviços.
Não é à toa que distribuição de renda durante a pandemia causou uma falta de aço, plástico, eletrodomésticos e outros materiais básicos no mundo todo. Houve uma explosão na venda de moradias, as pessoas estão mudando de casa, e ainda teremos uma grande demanda da construção civil para infraestrutura.
Em resumo: pela frente teremos um consumo forte de produtos básicos e uma oferta que não cresce. A “velha economia” investiu pouco na produção de commodities, por causa do desafio ambiental, e a China, que era a maior investidora nesse setor, também está puxando o freio.
Teremos um problema de oferta e demanda, de preços mais altos, e as empresas que estão ganhando com isso não falam em fazer em novos investimentos. Não por acaso estamos vendo Petrobras, Vale e outras distribuindo dividendos históricos, ao invés de investir.
E quanto ao cenário brasileiro?
Estamos bastante cautelosos com o contexto local. Temos um problema de inflação estrutural, então o Banco Central já entrou em um ciclo de aumento de taxa de juros, dizendo, inclusive, que a Selic vai para um território restritivo — que calculamos ser o de um juro real de 3 a 4%. Tudo isso vai desacelerar a economia. Em paralelo, temos um plano fiscal ficando frouxo. O governo está querendo gastar mais, por causa do ano eleitoral.
Achamos que a Selic vai para próximo de 8,5% ao ano no final de 2021, que é o que já está refletido nas curvas futuras. Teremos um ambiente mais desafiador nos juros, e uma economia fraca.
Além disso, há ainda a crise hídrica. O Brasil está indo para o all in [tudo ou nada]. Nesse ritmo, os reservatórios chegarão ao fim do período seco no volume morto. Estaremos completamente expostos ao índice de chuvas do verão. É um risco que, na minha opinião, está mal precificado pelo mercado, e que afeta tanto a inflação quanto o PIB.
Quais as perspectivas para o ano que vem?
Teremos uma eleição presidencial polarizada em 2022. Não sabemos quem ganhará, mas o que dá para dizer é que vai haver muita volatilidade. Esse processo tenso retrai o consumo e afasta o investidor.
Acredito que o melhor momento da bolsa ficou para trás. O investidor deveria estar mais cauteloso, reduzindo risco. A volatilidade política veio para ficar, temos um embate entre os poderes ruidoso, e não vejo isso retroceder, até porque faz parte do discurso de campanha do presidente Bolsonaro para manter a base eleitoral viva.
O investidor estrangeiro já está cauteloso com emergentes, buscando ativos seguros nos Estados Unidos. Os fundos de pensão estão tirando dinheiro da bolsa, porque conseguem cumprir a meta de rendimento atuarial de 4,5% apenas investindo em NTN-B (Tesouro IPCA+). Claro que toda queda muito aguda sempre tem volta, mas teremos um novo normal para a bolsa bem mais desafiador.