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'Terraplanismo e movimento antivacina são pensamentos muito parecidos', diz microbiologista

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'Terraplanismo e movimento antivacina são pensamentos muito parecidos', diz microbiologista


Pensamentos conspiracionistas, fake news e pseudociência precisam ser combatidos, especialmente na pandemia, afirma a bióloga Natalia Pasternak, que neste mês se tornou a primeira brasileira a fazer parte de comitê científico criado por Carl Sagan. Natalia Pasternak, bióloga e pesquisadora
Instituto Questão de Ciência/Divulgação
Fundado em 2018 para, de forma embasada cientificamente, informar a população e orientar a formação de políticas públicas, o Instituto Questão de Ciência tinha planejado uma série de ações este ano para abordar os mitos em torno da homeopatia. Aí veio a pandemia e, claro, tudo mudou: medicamentos controversos, teorias da conspiração e movimentos antivacina cresceram e começaram a exigir esclarecimentos em todas as frentes.
Bióloga, microbiologista e divulgadora científica, Natalia Pasternak — que fundou e preside a instituição — passou a ser protagonista de inúmeras lives, requisitada para entrevistas e, ao mesmo tempo, alvo de difamação nas redes sociais.
“Expor enganações é um trabalho que incomoda mesmo. Principalmente durante esta pandemia, quando meu trabalho expôs o próprio governo federal: que disseminou informações falsas sobre uso de máscaras, distanciamento social, medicamentos e, mais recentemente, sobre vacinas”, diz ela.
Neste mês de outubro, veio o reconhecimento internacional. Pasternak, que durante a adolescência devorava livros dos cientistas Isaac Asimov (1920-1992) e Carl Sagan (1934-2006), foi convidada para integrar o Comitê para Investigação Cética (CSI, na sigla em inglês), instituição criada pelo próprio Sagan em 1976. Ao lado de celebridades científicas como Richard Dawkins e Neil deGrasse Tyson, ela se torna a primeira brasileira a fazer parte desse grupo de combate a pseudociências.
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“A nomeação é uma honraria”, afirma Pasternak. “[Por fazer parte do CSI,] a atuação aqui no Brasil fica muito mais reforçada, ganha essa credibilidade de oficialmente integrar o movimento cético internacional.”
Em entrevista à DW Brasil, ela fala sobre o desafio de comunicar bem a ciência e combater notícias falsas e teorias da conspiração durante a pandemia de covid-19. “Quando a desinformação vem diretamente do governo federal e está institucionalizada, fica muito mais difícil combater”, diz.
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DW Brasil: Até pouco tempo atrás, fake news costumavam ter contornos anedóticos, como quando se falava que hambúrguer era feito de carne de minhoca e o terraplanismo parecia apenas uma piada. De uns anos para cá, essa pandemia da desinformação se intensificou, com gravidade, no meio político. Neste ano de covid-19, podemos dizer que as fake news se tornaram um problema de saúde pública?
Natalia Pasternak: Esse é o maior problema das fake news e pseudociências: muitas vezes elas parecem inofensivas, e a gente fica muito em dúvida se é preciso comentar ou desmentir. Sempre vimos pseudociências como piada, mas não percebíamos que elas fazem parte de um movimento que envolve justamente um pensamento recheado de teorias da conspiração. E isso vai atraindo outras teorias da conspiração e outros pensamentos mágicos, então não é surpresa que cresça de maneira exagerada e acabe culminando em problemas de saúde pública.
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Quando ignoramos problemas como o terraplanismo, achando que é uma piada e ninguém sério vai acreditar nisso, deixamos de perceber que muitas vezes esse tipo de pensamento conspiratório é o mesmo presente no movimento antivacina, no negacionismo [da mudança] do clima. São pensamentos muito parecidos. Não é o movimento que precisamos combater, mas o tipo de pensamento mágico ou conspiracionista. Agora, durante a pandemia, a desinformação ganhou um corpo que era impensável antes e acaba gerando problemas de saúde pública, como no caso dos medicamentos sem comprovação científica endossados pelo governo federal e, agora, essa politização das vacinas de maneira a criar uma desconfiança, como se vacina tivesse nacionalidade.
No contexto do coronavírus, a desinformação é extremamente perigosa e deletéria para a sociedade, ela fomenta a desconfiança e a revolta. Quando a desinformação vem diretamente do governo federal e está institucionalizada, fica muito mais difícil combater.
Grupos antivacina espalham informações falsas nas redes sociais
Você acredita que discursos e gestos do governo federal atrapalham seu trabalho, estimulando agressões virtuais?
Claro que a gente acaba caindo no radar do “gabinete do ódio”. O governo tem uma estrutura organizada para difamar e estimular esse tipo de agressão em rede social. Em geral, não tem saído muito das redes sociais, mas é uma difamação organizada. Tem gente que fez até vídeo dizendo que eu não sou bióloga de verdade, o que é bem ridículo, porque meu diploma é público — qualquer um pode entrar no banco de dados da USP [Universidade de São Paulo, onde ela se graduou em 2001 e doutorou-se em 2006].
Desqualificações pessoais, esse tipo de coisa, acontecem o tempo todo. No máximo eu dou risada. Como vou reagir diante de um vídeo que fala que sou uma bióloga falsa? Nunca respondo. E, quando a coisa é séria, vai para meus advogados.
Por que essa pandemia trouxe tanta visibilidade para as pseudociências?
A pandemia acabou atraindo movimentos de pseudociência e anticiência justamente pela emergência e pelo estado de pânico, e o medo que as pessoas estão sentido. A ciência não traz as respostas prontas, fáceis e geralmente erradas que a pseudociência traz. As pessoas ficam muito frustradas com a demora da ciência em trazer respostas prontas, perfeitas e redondinhas. As certezas absolutas que a pseudociência oferece são muito atraentes e, durante a pandemia, acabam ganhando visibilidade porque falam o que as pessoas querem ouvir.
Combater isso, no cenário politicamente polarizado em que estamos, onde muitas vezes a desinformação vem diretamente das instituições brasileiras, é um tremendo desafio. Temos de explicar para as pessoas como a ciência é feita para que elas consigam ter as ferramentas necessárias para compreender o processo e, daí, aceitar que não vamos conseguir dar certezas absolutas. Isso não se constrói com meme, nem com uma ou duas postagens. É um trabalho de educação científica que tem de ser feito.
Você acredita que parte da culpa é do modo como os avanços vêm sendo divulgados? A busca por uma vacina, por exemplo, parece mais um reality show…
O desenvolvimento das vacinas tem sido acompanhado de perto pela população como se fosse Copa do Mundo. O lado legal disso é que as pessoas passam a entender e a se familiarizar com o método [científico]. É o lado bom desse interesse repentino por ciência.
Ao mesmo tempo, fica um desafio para nós, comunicadores de ciência, de como explicar para a população como a ciência funciona, que não é coisa simples, que é algo sujeito a erros, o que é normal. Temos de explicar para que a população confie no processo científico. O que não podemos é gerar uma desconfiança desnecessária. Precisamos de boas campanhas de informação.
Se algo foi completamente comprovado durante essa pandemia é que a comunicação da ciência, a boa comunicação da ciência, é tão importante quanto a própria ciência. A gente não vai conseguir desenvolver ciência de qualidade se a gente não conseguir comunicar ciência de qualidade.
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