Treinado em Cuba, guru do presidente prega marxismo no Peru
Por Maria Cervantes e Matthew Bristow, da Bloomberg
Os peruanos acompanham de perto cada movimento e declaração de seu novo presidente, Pedro Castillo, integrante de um partido marxista que até há pouco não passava de um professor pouco conhecido no país. Mas as atenções deveriam se voltar para o homem considerado seu guia e viabilizador: Vladimir Cerrón, o fundador e comandante do partido.
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Enquanto a ideologia de Castillo parece fluida — ele tentou tranquilizar os investidores–, nada sobre Cerrón sugere hesitação ou flexibilidade. Ele estava impedido de se candidatar à presidência devido a uma condenação criminal e então escolheu Castillo, que recebe suas orientações sobre políticas públicas e nomeações, incluindo a do primeiro-ministro.
“Cerrón é o dono do partido Peru Libre”, disse José Alejandro Godoy, professor de ciências sociais e políticas da Universidade Pacífico. “Ele faz supervisão doutrinária e ideológica, mas traz também uma personalidade de liderança quase messiânica. Nenhuma moderação virá de Cerrón.”
Hoje com 50 anos, o neurocirurgião Cerrón foi treinado em Havana e é admirador do regime cubano, além de encarnar os aspectos mais radicais da luta política no Peru, tanto intelectual quanto pessoalmente.
Seus pais eram professores. O pai ensinava marxismo e foi sequestrado e assassinado em uma série de ataques na Universidade Nacional do Peru Central em 1990. Aparentemente, os assassinos atuaram a mando do governo, que suspeitava do professor e de outras pessoas por ligações com o grupo terrorista maoísta Sendero Luminoso. Ex-oficiais do exército estão sendo julgados por essas mortes.
Os conservadores na América Latina costumam acusar seus oponentes de marxismo, mas Cerrón é o marxista genuíno, com profundas queixas de cunho familiar contra o sistema.
Ele incorpora o esquerdismo em seu aspecto mais pessoal e inflexível. Altamente qualificado e conhecido por uma inteligência feroz, Cerrón se manteve fiel aos princípios da luta de classes e anticolonialismo durante a vida inteira e não abrandou essa postura à medida que sua influência cresceu.
Embora a maioria dos peruanos rejeite essa ideologia rígida, muitos estão revoltados com a classe política tradicional. Em meio à Covid-19 e uma crescente percepção da desigualdade, a população parece disposta a ver para onde o partido de Cerrón levará o país.
Para os aliados, as acusações de corrupção foram uma manobra judicial para impedir Cerrón de concorrer à presidência e ameaçar a elite peruana.
O parágrafo de abertura do manifesto de seu partido destaca a necessidade de “abraçar a teoria marxista”. Em uma entrevista à televisão este mês, ele defendeu o fim da dependência em relação aos EUA.
“Precisamos libertar nosso país de uma dependência neocolonial que vemos em todos os níveis”, disse Cerrón. “Nosso sistema educacional, nosso sistema econômico, até mesmo nosso aparato militar, tudo depende de software americano.”
Cerrón não respondeu aos pedidos de entrevista e pessoas próximas a ele não quiseram falar.
O melhor cenário para os investidores era que Castillo fizesse um governo nos moldes dos líderes latino-americanos de esquerda que capitanearam períodos de sucesso econômico e queda da pobreza, como Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e Evo Morales na Bolívia. Mas a influência de Cerrón e sua tropa diminuem a chance de concretização desse cenário.
O sol peruano desabou desde que o novo governo assumiu e somente a moeda do Afeganistão sofreu queda maior. A percepção do mercado é que Cerrón está dando as cartas e os investidores se preparam para um governo mais radical do que esperavam.
“Ele sabe o que está fazendo, é um político experiente, é um homem capaz e é isso o que preocupa”, disse Eduardo Jimenez, economista da consultoria Macroconsult em Lima. “O maior medo dos investidores é a presença de uma posição muito radical fundamentalmente ligada a Vladimir Cerrón.”
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