Globalização será retomada sob Biden, afirma McCloskey
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Uma das maiores expoentes do pensamento liberal, a economista americana Deirdre McCloskey é uma entusiasta da globalização e defensora da liberdade tanto no campo econômico quanto nos costumes.
Formada em Harvard, é professora emérita de economia, história, língua inglesa e comunicação na Universidade de Illinois, em Chicago (UIC), epicentro do pensamento liberal nos Estados Unidos. É conhecida pelas críticas que faz a líderes autoritários e populistas tanto de esquerda quanto de direita.
Boa parte de seu trabalho se dedica a explicar a evolução do capitalismo e o enriquecimento que vem transformando o mundo desde o século 18. Nesta entrevista, concedida a Edward Pimenta, curador do projeto Cidadão Global, ela fala sobre o resultado das eleições americanas e explica que o maior desafio da globalização não é o funcionamento da economia, mas a economia política.
Como o resultado das eleições nos Estados Unidos pode afetar o futuro da globalização?
Consideravelmente. Com a vitória de Biden, o mundo voltará ao multilateralismo, como a Parceria Transpacífico. A globalização será retomada sob Biden. Infelizmente, Biden, como a maioria das pessoas, não entende que “proteção” é um esquema para um grupo roubar de outro, trabalhadores automotivos, por exemplo, roubando de compradores de automóveis. Mas sua ignorância não o coloca fora do círculo dos políticos democráticos regulares. Os “acordos comerciais”, por exemplo, acontecem na suposição de que as exportações são boas e as importações ruins. É um pensamento infantil – você gostaria que suas horas de trabalho, ou seja, suas exportações, aumentassem, e sua capacidade de comprar alimentos, suas importações, diminuíssem? Claro que não. O mesmo vale para as nações. Nenhum economista com bom senso acha que uma balança comercial positiva, exportações maiores que importações, é uma medida sensata de bem-estar.
A globalização já estava com problemas mesmo antes da pandemia. O sistema aberto de comércio que dominou a economia mundial durante décadas foi prejudicado pela crise financeira e pela guerra comercial entre China x EUA. Com a reabertura das economias, a atividade se recuperará, mas não se espera um retorno rápido a um mundo com movimento irrestrito e livre comércio. Na sua opinião, quais serão os efeitos da pandemia no modelo de globalização como o conhecemos hoje?
Na verdade, no que diz respeito à economia, espero um rápido retorno a um mundo com movimento irrestrito e livre comércio. A razão econômica é simples e poderosa: haverá dinheiro a ser ganho e as pessoas sabem, por experiência própria, exatamente como ganhá-lo. É possível pensar na economia pós-pandemia como aquela com milhões de notas de R$ 1 mil esperando serem pegas.
Em parte, o boom que virá será o triste resultado da ruína deixada pelas más políticas dos governos brasileiro e norte-americano relativas ao coronavírus, em contraste com as de Coreia do Sul, Austrália e Alemanha. As empresas foram arruinadas por não conseguirem controlar a peste rapidamente no início, nem instituírem testes e rastreamento rapidamente. Mas, assim como acontece depois de uma guerra, iniciar novos negócios no lugar daqueles arruinados será altamente lucrativo. É o que explica o “milagre” alemão após a Segunda Guerra Mundial. Os restaurantes do seu bairro que fecharam porque os clientes estavam com medo de frequentá-los serão substituídos por novos. É muito ruim para os antigos donos, mas bom para os novos.
E continuamos a inovar em todo o mundo, como temos feito de maneira espetacular desde 1800. (É por isso que a palavra “capitalismo”, altamente enganosa, deve ser substituída por “inovismo”. Sim, precisamos de capital; mas também precisamos de chuva e trabalho e da existência do universo. O que é único no mundo moderno não é a acumulação de capital, mas novas ideias para usar o capital, o trabalho e a chuva para tornar as coisas melhores). A pausa imposta pela pandemia descontrolada apenas acumulará inovações inexploradas. Teremos novos medicamentos, novos meios de pagamento, novas técnicas agrícolas, novos sistemas de transporte, o que for – de qualquer maneira, novos. Não sei o que serão essas coisas novas (se soubesse seria bilionária). Mas espero, com base na experiência histórica recente, que eles se acumulem cerca de 2% ao ano. Mais notas de R$ 1 mil.
A economista americana Deirdre McCloskey
Divulgação
Qual será, então, o futuro da globalização? A senhora é otimista?
Acho que por alguns anos, até que as memórias desapareçam, os empresários serão mais cautelosos com as longas cadeias de suprimentos globalizadas, haja visto o que acontece quando uma bomba viral cai sobre elas. Mas eles encontrarão maneiras de se proteger contra pestes futuras – não para eliminar as pestes, é claro, mas para reduzir a sensibilidade da economia à sua chegada inevitável.
A globalização é algo bom e que não podemos parar, tanto pela pressão que exerce, por exemplo, sobre as empresas brasileiras para se adequarem aos padrões mundiais, como a Embraer já fez, quanto em relação aos ganhos estáticos menos dinâmicos, mas muito grandes, da especialização internacional, como cultivar café no Brasil em vez de em estufas no Canadá.
Mas a globalização nos transfere para a Pangea, continentes unidos numa única massa de terra, como era o planeta 175 milhões de anos atrás. Isso significa que os germes se movem de forma rápida e por longas distâncias. Nós viajamos, o que é bom, mas trazemos os germes conosco. Portanto, é melhor nos prepararmos agora para a próxima peste. Pangea leva à pandemia.
O problema não é o funcionamento da economia. O problema é economia política. Certos políticos sempre estarão prontos para aproveitar a crise para erguer muros protecionistas em todo o país e implementar mais coerções internas. Eles vão atender aos interesses desta ou daquela empresa, que o Brasil nem deveria ter em primeiro lugar. “Substituição de importação” é como a frase soa de forma técnica, ou “regulamentação” das empresas. Isso já aconteceu antes. O populismo do tipo peronista/nacionalista/sindicalista continua surgindo, especialmente na América Latina. É uma ideia vendida também por economistas que não conhecem economia, como Raul Prebisch há muito tempo, ou o conselheiro do agora ex-presidente Trump, Peter Navarro (vergonhosamente, ele tem um PhD em Economia por Harvard: em protesto, vou devolver o meu).
O outro problema na economia política é o pensamento de curto prazo alardeado por jornalistas, causando pânico misturado com teorias de arrancar os cabelos sobre, digamos, a Grande Recessão ou a ascensão da China, ou agora a Covid-19. Eu digo a vocês jornalistas: arrependam-se! Pensem no longo prazo. A grande história de nossa vida atual é que a renda mundial per capita, em termos reais, dobra a cada geração. Tem sido assim desde 1800 nos países que mais se aproximaram das políticas liberais. Como resultado, a pobreza e a desigualdade caíram drasticamente no mundo desde 1960 e vão acabar totalmente em duas ou três dessas gerações – se permitirmos e ganharmos as notas de R$ 1 mil.
E parem de misturar comércio pacífico com “conquista”. Os chineses não estão nos conquistando. Eles estão nos enviando algumas de suas coisas em troca de algumas de nossas coisas. A conversa de “guerra” comercial, de nações “competindo”, leva à guerra literal, como aconteceu em 1914 – que pode impedir a duplicação da renda real. Aconteceu assim em muitos países. Por tamanho pessimismo e conversa boba sobre “competição” internacional, culpo alguns de meus colegas da economia, como Robert J. Gordon, mas também alguns de meus colegas historiadores, como o falecido David Landes e agora Niall Ferguson.
Ao contrário dos pessimistas, tenham ânimo.
Em seu artigo “Aprendendo a amar a globalização”, a senhora faz uma análise detalhada das mais diferentes formas de protecionismo e explica como isso afeta o comércio global. Em um mundo com escassez de líderes que entendam os benefícios da integração econômica internacional, a senhora acha que temos a chance de escrever um novo capítulo da globalização?
Sim. Mas vocês jornalistas precisam parar de falar o quanto antes sobre “competição” e dar voz a interesses especiais que exigem “proteção” tanto contra outros brasileiros quanto (e especialmente) contra aqueles estrangeiros malvados que querem nos enviar algumas de suas coisas. Sempre haverá políticos prontos para nos conduzir ao peronismo. Precisamos encorajar e votar nos políticos que nos tratam como adultos, não como crianças facilmente enganadas. O liberalismo também pode ser chamado de “adultismo”. As ideologias usuais de esquerda ou direita, socialismo ou nacionalismo, são, em vez disso, “infantismo”.
O coronavírus surgiu na China, país visto como uma espécie de fábrica global, e na cidade de Wuhan, que abriga centenas de empresas multinacionais e concentra a produção de automóveis e aço. No entanto, a economia chinesa conseguiu recuperar parte das perdas e deve ser uma das únicas a crescer em 2020. Essa rápida recuperação reforça o protagonismo da China no cenário global? Como isso afetará o equilíbrio de forças entre os países?
Não. As pessoas adoram falar sobre “o modelo chinês” e como estamos condenados a adotar o fascismo de Xi Jinping ou a nos tornar escravos econômicos dos chineses. Essa conversa é burra. Note, aliás, como a conversa é semelhante às preocupações sobre “o modelo japonês” durante os anos 1980. (Há algum racismo antileste asiático sobre essas hordas de pessoas amarelas? Ah, não.) Não existe um modelo chinês de planejamento central. A China cresceu espetacularmente, de US$ 1 por dia em 1978 para US$ 33 por dia hoje (agora quase a renda real per capita do Brasil) por não ter um planejamento centralizado. Eles adotaram o mercado livre e cresceram rapidamente. O Brasil também poderia fazer isso, assim como a África do Sul (outro país que conheço um pouco e amo muito), ao adotar as liberalizações como a China depois de 1978 e a Índia depois de 1991. Permitir que as pessoas abram pequenas e grandes empresas facilmente. Sem impor regulamentações salariais. Deixar as pessoas se moverem (feito de maneira imperfeita na China, mas ainda assim resultando na maior migração da história da humanidade, 200 milhões do interior para a costa do país). Resultado? Uma duplicação da renda em cada geração curta e, às vezes, uma reduplicação, um fator de oito, em uma geração longa.
Quanto à forma como a China lidou com o vírus, observe que praticamente todas as nações do oeste do Pacífico se saíram bem, da Nova Zelândia à Coreia do Sul. A maioria deles são democracias enérgicas, não tiranias violentas partidárias como a China ou o Vietnã, ou tiranias moderadas como Cingapura. Em outras palavras, é falso inferir que, por causa do sucesso de algumas tiranias, que a tirania é boa para você. As pessoas gostam de pensar assim, porque pensam nas grandes sociedades como sendo famílias, fáceis de planejar. (Embora qualquer pessoa que já viveu em uma família saiba que mesmo uma família é de fato difícil de planejar.) A maioria das tiranias (pense no Zimbábue ou Egito ou China antes de 1978) vão extremamente mal. Centralizar todo o pensamento econômico em uma gangue de bandidos em Harare ou Cairo ou Pequim não é melhor do que deixar milhões de pessoas inovarem por si mesmas.
Durante a pandemia, a necessidade de salvar vidas levou as empresas e organizações a se mobilizarem de uma forma inédita. A sociedade assistiu a uma demonstração clara de solidariedade e filantropia. O senhor acha que toda essa experiência terrível tornará a sociedade melhor?
Não. Embora qualquer crise traga caridade nas pessoas, elas voltam às negociações normais umas com as outras depois. Mas o comércio é caridade. Eu te dou milho e você paga com seu trabalho. Ambos os lados se beneficiam. É um erro pensar que apenas um presente gratuito expressa amor ao próximo. Somente sob uma teoria do comércio de soma zero, em que um lado ganha e outro perde (que é a antiglobalização, a teoria infantil) o comércio não é bom para todos. Servimos aos outros ao nos especializarmos, nos tornando bons em tudo o que fazemos e, então, oferecendo nossos produtos e serviços aos outros. Isso é globalização.
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