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Teoria da Perda de uma Chance

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Teoria da Perda de uma Chance

Nascida e desenvolvida no direito francês, a teoria da perda de uma chance pressupõe uma situação em que a prática de um ato ilícito ou abuso de um direito impossibilita a obtenção de algo que era esperado pela vítima, seja resultado positivo ou a não ocorrência de um prejuízo, resultando um dano a ser reparado.

Um exemplo da teoria, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, é o erro médico por tratamento inadequado.

Segundo o autor civilista Anderson Schreiber, essa teoria propõe que a vítima seja ressarcida sempre que configurada a perda de uma oportunidade de obter certa vantagem ou evitar certo prejuízo; introduz-se a “chance” no terreno do dano reparável, com o propósito de assegurar à vítima o ressarcimento integral das perdas sofridas.

O autor Flávio Tartuce explana que a perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal e, a partir dessa ideia, essa chance deve ser séria e real.

Como é a Teoria da Perda de uma Chance na jurisprudência?

Flávio Tartuce, em sua obra, cita alguns exemplos prático-jurisprudenciais de incidência da teoria na realidade brasileira:

De início, numerosos são os julgados que responsabilizam advogados por perderem prazos de seus clientes, gerando perda da chance de vitória judicial (por todos: STJ, Ag. Rg. no Ag. 932.446/RS, Processo 2007/0167882-9, 3.ª Turma, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 06.12.2007, DJU 18.12.2007, p. 274; 2.º TACSP, Apelação com Revisão 648.037-00/9, 5.ª Câmara, Rel. Juiz Dyrceu Cintra, j. 11.12.2002; TJRS, Apelação Cível 70005473061, 9.ª Câmara Cível, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 10.12.2003).

Na seara médica, o pioneiro Tribunal do Rio Grande do Sul já responsabilizou um hospital por morte de recém-nascido, havendo a perda de chance de viver (TJRS, Processo 70013036678, Data: 22.12.2005, 10.ª Câmara Cível, Juiz Rel. Luiz Ary Vessini de Lima, Origem: Caxias do Sul). Fala-se, ainda, em perda da chance de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica malsucedida pelo profissional da área de saúde.

Outro julgado do Superior Tribunal de Justiça analisou a questão, em acórdão com a seguinte publicação:

“A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico. De início, pode-se argumentar ser impossível a aplicação da teoria da perda de uma chance na seara médica, tendo em vista a suposta ausência
de nexo causal entre a conduta (o erro do médico) e o dano (lesão gerada pela perda da vida), uma vez que o prejuízo causado pelo óbito da paciente teve como causa direta e imediata a própria doença, e não o erro médico. Assim, alega-se que a referida teoria estaria em confronto claro com a regra insculpida no art. 403 do CC, que veda a indenização de danos indiretamente gerados pela conduta do réu. Deve-se notar, contudo, que a responsabilidade civil pela perda da chance não atua, nem mesmo na seara médica, no campo da mitigação do nexo causal. A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. A chance em si – desde que seja concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou de evitar um prejuízo – é considerada um bem autônomo e perfeitamente reparável. De tal modo, é direto o nexo causal entre a conduta (o
erro médico) e o dano (lesão gerada pela perda de bem jurídico autônomo: a chance).
Inexistindo, portanto, afronta à regra inserida no art. 403 do CC, mostra-se aplicável a teoria da perda de uma chance aos casos em que o erro médico tenha reduzido chances concretas e reais que poderiam ter sido postas à disposição da paciente” (STJ, REsp 1.254.141/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513).

 

Em outro campo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul responsabilizou um curso preparatório para concursos públicos que assumiu o compromisso de transportar o aluno até o local da prova. Porém, houve atraso no transporte, o que gerou a perda da chance de disputa em concurso público, surgindo daí o dever de indenizar (TJRS, Processo 71000889238, Data: 07.06.2006, 2.ª Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Clovis Moacyr Mattana Ramos, Origem: Comarca de Cruz Alta). (…)

Mas o acórdão mais comentado a respeito do tema é aquele pronunciado pelo STJ em conhecido julgado envolvendo o programa Show do Milhão, do SBT. Uma participante do programa, originária do Estado da Bahia, chegou à última pergunta, a “pergunta do milhão”, que, se respondida corretamente, geraria o prêmio de um milhão de reais. A pergunta então formulada foi a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro? 1) 22%; 2) 2%; 3) 4% ou 4) 10%”. A participante não soube responder à pergunta, levando R$ 500 mil para casa. Mas, na verdade, a Constituição Federal não consagra tal reserva, tendo a participante constatado que a pergunta formulada estava totalmente errada. Foi então a juízo requerendo os outros R$ 500 mil, tendo obtido êxito em primeira e segunda instância, ação que teve curso no Tribunal de Justiça da Bahia. O STJ confirmou em parte as decisões anteriores, reduzindo o valor para R$ 125 mil, ou seja, os R$ 500 mil divididos pelas quatro assertivas, sendo essa a sua real chance de acerto (STJ, REsp 788.459/BA, 4.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 08.11.2005, DJ 13.03.2006, p. 334).

(…) (grifo meu)

 

A Teoria da Perda de uma Chance é uma hipótese de dano?

Há divergências doutrinárias a respeito da Teoria da Perda de uma Chance se enquadrar em hipótese de dano moral.

Flávio Tartuce explana que vê com ressalvas o enquadramento da perda de uma chance como nova categoria de dano, tendo em vista que tais danos são, na grande maioria das situações, hipotéticos ou eventuais, sendo certo que os arts. 186 e 403 do CC exigem o dano presente e efetivo, bem como argumenta que, haja vista que a perda de uma chance trabalha com suposições, com o se, muitas situações descritas pelos adeptos da teoria podem ser resolvidas em sede de danos morais ou danos materiais, sem que a vítima tenha necessidade de provar que a chance é séria e real.

Já o autor Anderson Schereiber explana que a perda da chance não é uma espécie de dano patrimonial e pode verificar-se também no campo exclusivamente moral, como nos casos de perda da chance de aplicação de certo tratamento médico por força de erro de diagnóstico. O autor traz como exemplo a hipótese de dano moral por perda de uma chance que se tornou conhecida no direito brasileiro que foi o caso de uma empresa especializada em coleta e armazenagem de células-tronco embrionárias que, contratada por um casal, não enviou preposto para realizar a coleta no dia do parto, tendo o Superior Tribunal de Justiça concluído pela “caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde”.

Por fim, o autor explica:

Não faltam, contudo, julgados que negam validade à teoria, com o argumento de que a chance perdida não representa um dano certo e atual, não sendo, portanto, indenizável. Frequentemente, hipóteses de perda da chance acabam sendo tratadas como dano hipotético. Em outras ocasiões, a perda da chance é confundida com os lucros cessantes. No primeiro caso, nega-se indenização ao autor da demanda. No segundo, atribui-se a ele indenização maior que a devida. Para se equilibrar entre os dois extremos, é preciso compreender bem os contornos técnicos da perda da chance, examinando-a em dois planos distintos: (a) existência da perda; e (b) quantificação da perda. No plano da existência, verifica-se se houve a perda efetiva de uma oportunidade real. Em seguida, passa-se ao plano da quantificação da perda, em que se investiga qual seria a probabilidade de obtenção do resultado final, atribuindo-se um valor proporcional à perda da chance de obtê-lo. A divisão em dois planos (existência e quantificação) é importantíssima para se entender que a perda da chance pode ocorrer mesmo que o resultado final não seja extremamente provável.

Dessa forma, fica claro que a perda de uma chance é quando há a perda de oportunidade de alcançar o que foi almejado ou evitar um prejuízo, seja na sua forma moral ou econômica, configurando, assim, uma hipótese lesiva que há possibilidade de reparação, a depender do caso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 – SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo, Editora Saraiva, 2020, pgs. 886 – 888.

2 – TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único, Editora Método, 2020, pgs. 795 – 797, 800.

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