A extinção e suspensão do poder de família
Previsto no Capítulo V, o poder familiar encontra-se regulamentado nos artigos 1.630 a 1.638 do Código Civil. Os artigos 1.635 a 1.638 tratam acerca das hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar, que serão comentados a seguir.
Relembrando: O que é poder familiar?
Para Carlos Roberto Gonçalves, “poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”.
Segundo Silvio Rodrigues, “é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”.
De acordo com o artigo 1.635 do Código Civil, o poder familiar extingue-se:
– pela morte dos pais ou do filho;
– pela emancipação, nos termos do art. 5 o , parágrafo único;
– pela maioridade;
– pela adoção;
– por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
Ou seja, as hipóteses de extinção se dão por motivos legais, naturais ou por decisão judicial.
Carlos Roberto Gonçalves explica acerca dessas hipóteses:
(…) Com a morte dos pais, desaparecem os titulares do direito. A de um deles faz concentrar no sobrevivente o aludido poder. A de ambos impõe a nomeação de tutor, para se dar sequência à proteção dos interesses pessoais e patrimoniais do órfão. A morte do filho, a emancipação e a maioridade fazem desaparecer a razão de ser do instituto, que é a proteção do menor. Dá-se a emancipação por concessão dos pais, homologada pelo juiz, se o menor tiver 16 anos completos (CC, art. 5º, parágrafo único, I). Mas pode ela decorrer, automaticamente, de certas situações ou fatos previstos no aludido art. 5º, parágrafo único, II a V. Presume a lei que os maiores de 18 anos e os emancipados não mais precisam da proteção conferida aos incapazes. A maioridade faz cessar inteiramente a subordinação aos pais. A adoção extingue o poder familiar na pessoa do pai natural, transferindo o ao adotante. Tal circunstância é irreversível, de acordo com o que chancelam os tribunais, sendo ineficaz posterior arrependimento daquele se a criança foi entregue em adoção mediante procedimento regular. (…) (grifo meu)
Já a hipótese de extinção do poder familiar por decisão judicial dependerá das causas elencadas no artigo 1.638 do CC, in verbis:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
- a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
- b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
- a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
- b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão. (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
O artigo 1.636 do CC dispõe que o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
Para Carlos Roberto Gonçalves, a redação é defeituosa, não se justificando a alusão aos “direitos ao poder familiar”, expressão equivocada que já constava do art. 393 do Código de 1916, sendo que o mais adequado seria dizer que o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde o poder familiar sobre os filhos do relacionamento anterior.
Já o parágrafo único estabelece que igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável, o que é indiscutível.
Ressalta-se que o Código Civil, no seu artigo 1.637, dispõe que, caso o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha, bem como suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Lembrando que os deveres inerentes aos pais não são apenas os expressamente elencados no Código Civil, mas também os que se acham esparsos na legislação, especialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 7º a 24) e na Constituição Federal (art. 227), tais como os que dizem respeito ao sustento, guarda e educação dos filhos, os que visam assegurar aos filhos o direito à vida, saúde, lazer, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, bem como os que visam impedir que sejam submetidos a discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, explana Carlos Roberto Gonçalves.
A suspensão do poder familiar não tem poder punitivo, é temporária, pode ser total ou parcial, é facultativa, pode referir-se a determinado filho e se distingue das hipóteses de perda do poder familiar, conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves:
(…) A suspensão do poder familiar constitui sanção aplicada aos pais pelo juiz, não tanto com intuito punitivo, mas para proteger o menor. É imposta nas infrações menos graves, mencionadas no artigo retrotranscrito, e que representam, no geral, infração genérica aos deveres paternos. Na interpretação do aludido dispositivo deve o juiz ter sempre presente, como já se disse, que a intervenção judicial é feita no interesse do menor. A suspensão é temporária, perdurando somente até quando se mostre necessária. Cessada a causa que a motivou, volta a mãe, ou o pai, temporariamente impedido, a exercer o poder familiar, pois a sua modificação ou suspensão deixa intacto o direito como tal, excluindo apenas o exercício. A lei não estabelece o limite de tempo. Será aquele que, na visão do julgador, seja conveniente aos interesses do menor. A suspensão, deixada ao arbitrium boni viri do juiz, poderá assim ser revogada, também a critério dele. As causas de suspensão vêm mencionadas um tanto genericamente no mencionado art. 1.637 do Código Civil justamente para que se veja o juiz munido de certa dose de arbítrio, que não pode ser usado a seu capricho, porém sob a inspiração do melhor interesse da criança. Desse modo, em vez de suspender o exercício do poder familiar, pode o magistrado, dependendo das circunstâncias, limitar-se a estabelecer condições particulares às quais o pai ou à mãe devem atender. A suspensão pode ser total, envolvendo todos os poderes inerentes ao poder familiar, ou parcial, cingindo-se, por exemplo, à administração dos bens ou à proibição de o genitor ou genitores ter o filho em sua companhia. A suspensão total priva o pai, ou a mãe, de todos os direitos que constituem o poder familiar, inclusive o usufruto, que é um de seus elementos e direito acessório. (…) A suspensão é também facultativa e pode referir-se unicamente a determinado filho. A perda (ou destituição), que é causa de extinção do poder familiar por decisão judicial (art. 1.635, V), como foi dito no item anterior, decorre de faltas graves, que configuram inclusive ilícitos penais e são especificadas no mencionado art. 1.638 do Código Civil: aplicação de castigos imoderados aos filhos (crime de maus-tratos), abandono (crimes de abandono material e intelectual), prática de atos contrários à moral e aos bons costumes (crimes de natureza sexual contra os filhos ou conduta inconveniente, como uso de entorpecentes ou entrega da mãe à prostituição) e reiteração de faltas aos deveres inerentes ao poder familiar (…). (grifo meu)
Dessa forma, podemos dizer que a perda (destituição) do poder familiar, causa de extinção por decisão judicial nas causas já expostas acima, é permanente, imperativa e abrange toda a prole, diferentemente da suspensão, que é temporária, facultativa e pode incidir em um determinado filho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, volume 6, Editora Saraiva, 2012, p. 360, 371, 374, 375.
2- RODRIGUES, Silvio. Direito civil, cit., v. 6, p. 359.