Casamento – disposições gerais
A definição de casamento sempre suscitou controvérsias doutrinárias, dividindo as opiniões dos autores, com uma corrente defendendo a sua natureza contratual, porque requer o consentimento dos nubentes, tanto que frustradas as núpcias quando ausente a livre aquiescência dos esposos, conforme expõe o civilista Rolf Madaleno. Em contraponto, segundo o autor, outra linha doutrinária atribui ao matrimônio uma feição institucional, porque imperaram no casamento normas de ordem pública, a impor deveres e a reconhecer direitos aos seus membros, o que limita, sobremaneira, a autonomia privada e, portanto, a família organizada a partir do casamento obedeceria a um conjunto de normas imperativas, objetivando uma ordem jurídica e social do matrimônio, com forma especial e solenidades a serem rigorosamente observadas para conferir validade e eficácia ao ato conjugal.
O autor afirma que o principal pressuposto do casamento está no artigo 1.511 do Código Civil, pois consigna que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges:
O Código Civil não define a natureza jurídica do casamento, mas consigna em seu artigo 1.511 o seu principal pressuposto, de o matrimônio estabelecer entre os cônjuges um estado de comunhão plena de vida, sustentado na igualdade de direitos e deveres dos esposos, como já consagrado pelo princípio constitucional prescrito no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal, sendo gratuita a sua celebração civil para as pessoas que declararem a sua pobreza, sob as penas da lei.
Para Euclides Oliveira e Giselda Hironaka, a expressão comunhão plena de vida no casamento confronta com a insistência do Código Civil em exigir dentro dessa nova moldura legal a prova da culpa pela separação, quando seria correto e suficiente permitir aos cônjuges obterem a separação judicial apenas demonstrando já não mais existir entre eles o imprescindível “combustível” da comunhão plena de vida, quando então se instala a incontornável incompatibilidade de gênios, sendo certo para expressiva parcela doutrinária e jurisprudencial haver sido sepultada a pesquisa judicial da culpa conjugal, porquanto desaparecido o instituto da separação litigiosa com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, sendo que no processo de separação judicial e somente nele interessava no passado, com exclusividade, pesquisar os motivos da derrocada do casamento (CC, art. 1.704). Segundo Eduardo Silva, esta cláusula geral da comunhão plena de vida, inserida pelo artigo 1.511, adiciona ao Código Civil uma nova leitura do direito familista, ainda que de natureza vaga, porque ninguém poderá estabelecer pormenorizadamente os desdobramentos e repercussões deste conceito de comunhão plena de vida.
(…)
Portanto, como cláusula geral, a comunhão plena de vida torna-se condição de validade de todo o casamento, atributo indispensável de sua existência e subsistência, porque seria inconcebível perpetuar no tempo qualquer relação conjugal que se ressentisse de uma plena comunhão de vida, e o mesmo pode ser dito para a união estável. (…) (grifo meu)
Segundo o artigo 1.512 do Código Civil, o casamento é civil e gratuita a sua celebração, sendo que a gratuidade já era assegurada pelo artigo 226, § 1º, da Constituição Federal de 1988. O parágrafo único do referido artigo reforça que a habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
Já o artigo 1.514 do Código Civil afirma que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. Ou seja, só era previsto a celebração do casamento entre um homem e uma mulher. No entanto, essa “restrição” ao casamento homoafetivo mudou após decisão do Supremo Tribunal Federal, conforme explica Rolf Madaleno:
(…)
O casamento somente podia se constituir entre um homem e uma mulher (CF, art. 226, § 5º, e CC, arts. 1.514 e 1.517) em relação monogâmica mútua e comunhão plena de vida (art. 1.511). Essa restrição ao casamento homoafetivo mudou após o julgamento do Supremo Tribunal Federal da ADPF 132 e da ADI 4.277, em maio de 2011, ao reconhecer se tratar a união homoafetiva de uma entidade familiar, merecedora da proteção do regime jurídico da união estável. Tão pronto assim decidido pelo STF, surgiram questionamentos óbvios, pois se era possível equiparara relação homoafetiva à união estável do artigo 1.723 do Código Civil, se mostrava evidente que os casais homoafetivos poderiam converter a união estável em casamento, nos termos do artigo 1.726 do mesmo diploma. E se era possível converter a união estável homoafetiva em matrimônio civil, também era absolutamente lícito reconhecer que os dispositivos reguladores do matrimônio civil não teriam como vedar o casamento civil de casais homoafetivos e nessa direção decidiu a Quarta Turma do STJ por meio do REsp. n. 1.183.378-RS, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, ao concluir que “os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.” Em consideração ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, e a eficácia vinculante desse julgamento, e considerando que o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do REsp n. 1.183.378/RS, decidiu inexistirem óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, vedando aos registradores civis e demais autoridades competentes (e.g., juiz de paz, autoridade judicial responsável pelo conhecimento de recurso administrativo contra ato do oficial de registro) a recusa de habilitação, de celebração de casamento civil ou de seu registro e, ainda, da inscrição da conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. O casamento, portanto, seja ele hetero ou homoafetivo, é ato da maior responsabilidade, com enorme repercussão na vida social dos cônjuges e dos filhos eventualmente surgidos da entidade familiar formada pelo matrimônio. (…) (grifo meu)
Ainda, o Código Civil, a partir do artigo 1.515, regula acerca do casamento religioso:
Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
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1 o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
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2 o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.
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3 o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.
O autor Rolf Madaleno explica que quando o Estado outorga efeitos civis ao casamento religioso está em realidade conferindo eficácia civil ao casamento, e não eficácia religiosa, tendo em vista que o Direito Canônico tem a sua regulamentação própria, com seus pressupostos de consentimento, impedimentos, causas de separação e de nulidade, e, sobretudo, seu caráter de sacramento indissolúvel, enquanto o matrimônio civil pode ser dissolvido quando presentes certos pressupostos legais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MADALENO, Rolf. Direito de Família. Editora Forense, 2020, p. 212-214, 219, 220.