Entendendo o instituto da ausência
O instituto da ausência tem previsão no Capítulo III do Código Civil, regulada nos seus artigos 22 a 39, que serão analisados a seguir.
De início, cumpre conceituar esse instituto. Segundo os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a ausência é, antes de tudo, um estado de fato, em que uma pessoa desaparece de seu domicílio, sem deixar qualquer notícia. Flávio Tartuce explana que a ausência é outra hipótese de morte presumida, decorrente do desaparecimento da pessoa natural, sem deixar corpo presente (morte real), bem como analisa que a ausência era tratada pelo CC/1916 como causa de incapacidade absoluta da pessoa e, atualmente, enquadra-se como tipo de inexistência por morte, presente nas situações em que a pessoa está em local incerto e não sabido (LINS), não havendo indícios das razões do seu desaparecimento.
Em se tratando de ausência, são 3 as fases da sua declaração, por meio de ação judicial:
1) Da curadoria dos bens do ausente
Segundo o artigo 22 do CC, desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.
Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes (artigo 23 do CC).
O curador terá poderes e obrigações, fixados pelo juiz, conforme as circunstâncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores (artigo 24 do CC).
O cônjuge do ausente também poderá ser o seu legítimo curador sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência (artigo 25 do CC). Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo (§1º), bem como entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos (§2º) e na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador (§3º).
Flávio Tartuce argumenta que a menção à separação judicial deve ser lida com ressalvas, eis que, para este autor, a Emenda do Divórcio (EC 66/2010) baniu do sistema tal categoria jurídica, no entanto, a premissa continua valendo mesmo tendo sido a separação judicial ressuscitada juridicamente pelo CPC/2015.
Ainda, o autor menciona que, apesar da ausência de previsão quanto ao convivente ou companheiro, ele merece o mesmo tratamento do cônjuge, pelo teor do Enunciado n. 97 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil (“no que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro, como por exemplo na hipótese de nomeação de curador dos bens do ausente [art. 25 do CC]”).
2) Da sucessão provisória
Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão (artigo 26 do CC).
De acordo com o artigo 27 do CC, somente se consideram interessados:
– o cônjuge não separado judicialmente;
– os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
– os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
– os credores de obrigações vencidas e não pagas.
Mais uma vez, por óbvio, deve-se incluir o companheiro como legitimado a requerer a sucessão provisória do convivente, diante da proteção constitucional da união estável, constante do art. 226, § 3.º, do Texto Maior, conforme explana o civilista Flávio Tartuce.
A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido (artigo 28 do CC).
Finalizando o prazo de um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, e não havendo interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente (§1º).
Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir a sucessão provisória, proceder-se-á à arrecadação dos bens do ausente pela herança jacente (§2º).
Antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente, ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos garantidos pela União (artigo 29 do CC).
O artigo 30 dispõe que os herdeiros devem dar garantias para se imitirem na posse dos bens do ausente, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos.
Quanto aos imóveis do ausente, estes só se poderão alienar, não sendo por desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína (artigo 31 do CC).
Assim, empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas (artigo 32 do CC).
O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art. 29, de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz competente (artigo 33 do CC). E se o ausente aparecer e ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos, conforme o parágrafo único.
Por fim, o artigo 35 do CC dispõe que se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros, que o eram àquele tempo.
Já o artigo 36 do CC dispõe que se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono.
3) Da Sucessão Definitiva
Conforme o artigo 37 do CC, dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas. Ressalte-se que o prazo conta-se do trânsito em julgado da sentença
da ação de sucessão provisória.
A sucessão definitiva pode ser também requerida provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele (artigo 38 do CC).
Se o ausente regressar nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo (artigo 39 do CC).
E se, nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal (parágrafo único art. 39 do CC).
Por fim, cumpre destacar que a morte por ausência põe o fim ao casamento, estando o seu ex-cônjuge livre para casar com terceiro, conforme o artigo 1.571, § 1.º, do CC.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único, Editora Método, 2020, p. 221, 222.