A cobrança de aluguel do(a) ex-companheiro(a)
Caro leitor (a), como advogado, tive a percepção acertada de que as demandas que envolvem divórcio, dissolução de uma união estável ou simples ruptura de um relacionamento sempre trazem bastante aflição aos envolvidos e tudo isso é bastante justificável por envolver muitas questões emocionais.
A situação se agrava quando o ex-casal, além de formalizar a união através do casamento ou da declaração de união estável, teve filhos ou começou a construir um patrimônio em conjunto.
Em se falando da parte patrimonial, quando este casal adquiriu determinado bem, seja ele financiado, quitado ou não, muitas são as dúvidas em relação a permanência de um dos dois ex-companheiros no imóvel e muita gente acaba não sabendo que existe a possibilidade de se cobrar aluguel daquele que permaneceu no uso exclusivo do bem.
Para que a possibilidade da cobrança desse aluguel ocorra, inicialmente devemos falar sobre o regime de bens adotado naquela união.
Diante disto, é importante frisar que o regime de bens que podemos considerar padrão no Brasil, é o da comunhão parcial de bens, isto porque quando as partes não manifestam a vontade de escolher por um, este por lei deverá ser o adotado.
É importante mencionar que em situações onde existe uma união estável de fato, sendo que não foi reconhecida oficialmente, vai existir a necessidade de se comprovar que as partes realmente tiveram esta união, o que acontecerá através de processo judicial. Quando este reconhecimento ocorre, o regime de bens que será adotado, será o da comunhão parcial de bens.
Entendido isto, devemos destacar que a comunhão parcial de bens, irá prever que todos aqueles bens que foram adquiridos na constância desta união, irão integrar o patrimônio comum do casal, ou seja, um carro, uma casa adquirida após o reconhecimento da união, irão integrar o patrimônio comum, ainda que este tenha sido pago apenas por uma das partes. Ou seja, este bem passa a ser dos dois.
Após entender a constituição do relacionamento e o regime de bens adotado, podemos passar para o ponto de interesse do artigo.
Tendo compreendido que um imóvel dentro das hipóteses acima passa a integralizar o patrimônio comum do ex-casal, sendo ambos “donos” deste bem, devemos deixar claro que ambos possuem direitos e deveres em relação a este.
Após a separação deste casal, embora já tenha visto a manutenção do convívio no mesmo imóvel após a separação, não é algo comum e o mais natural é que uma das partes vá morar em outro lugar.
Com isso, passamos a ter na prática 02 pessoas com o mesmo direito de propriedade sobre o imóvel, sendo que apenas uma delas permanece residindo de forma exclusiva, ou seja, usufruindo de seus benefícios.
É importante mencionar ainda, que a relação das partes sobre este imóvel, embora derivada de uma questão familiar, passa a integrar uma relação cível, onde ambos são proprietários do bem, o que poderia ser feito independente do relacionamento anterior. Imagine por exemplo caso você quisesse adquirir um imóvel com um amigo ou um parente, para efeitos práticos, a relação seria a mesma de vocês sobre o imóvel, a de condomínio.
Porém, quando apenas uma das partes recebe os frutos deste bem, a fim de não se gerar vantagem excessiva por ela, necessário se faz que seja arbitrado aluguel na proporção da titularidade do imóvel que pertence a quem não permaneceu residindo no bem.
Vamos imaginar que após esta separação, o imóvel deva ser dividido na proporção de 50% para cada uma das partes, o que é o mais comum. Neste exemplo, cada um exerce o mesmo percentual de direito sobre o imóvel, onde entendemos que a cobrança do aluguel deva ser o equivalente a 50% do preço do aluguel do imóvel em média.
A fim de se obter o valor do aluguel, devemos considerar o imóvel em si, a sua localização, comodidades e situação econômica atual, ou seja, utilizamos como base os mesmos parâmetros para mensurar o valor de aluguel que qualquer corretor utilizaria a fim de definir um valor justo e coerente com o mercado. Podem ser utilizados como parâmetros informais para consulta sites especializados na locação de imóveis, como OLX, ZAP Imóveis Etc…, tudo isto a fim de se buscar uma média, onde é importante ressaltar que uma avaliação feita por profissional competente sempre será a mais assertiva.
Com isso, a pretensão na cobrança do aluguel, vai de encontro ao direito de propriedade que é constitucionalmente garantido, através do caput do artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal e artigo 1228 do Código Civil Brasileiro vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade;
Art. 1228. O proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha.
Conforme destaques acima, a pretensão de se cobrar aluguel da parte que permaneceu residindo no bem, encontra respaldo no direito de propriedade e na obtenção dos frutos que o outro possuidor tem, mesmo que não esteja residindo no bem.
Este entendimento, vem sido adotado de forma costumeira pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde em brilhante abordagem e explanação o Relator Desembargador Francisco Loureiro julgou caso que envolveu a questão posta , quando da análise do Agravo de Instrumento 678.438.4/3, julgado em 15 de outubro de 2009.
Do julgado extraem-se os seguintes trechos que bem servem para pontuar a questão:
“Indiscutível a possibilidade de se exigir o pagamento de aluguel proporcional do condômino que utiliza a coisa com exclusividade, em detrimento dos demais, com fundamento no princípio que veda o enriquecimento sem causa. Embora a lei não explicite, tal situação é admitida de longa data pela doutrina e jurisprudência. (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. VIII; Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, vol. 4, p. 208; JTJ 122/87 e 206/27)
Sob essa ótica, nada justifica que o ex-cônjuge usufrua com exclusividade de imóvel comum sem remunerar o outro pela parte que lhe cabe.
Segundo o relator, ministro Raul Araújo do STJ, uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão, antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio, regido pelas regras comuns da propriedade e que admite a indenização.
COMO FICAM AS DESPESAS ANEXAS A MORADIA?
No exemplo utilizado, mencionamos que uma das partes permaneceu residindo no imóvel, ou seja, o imóvel permanecerá com despesas inerentes a condomínio, luz, água, gás etc…
Nesta hipótese, consideramos que toda despesa em razão de seu funcionamento ficará a cargo de quem permaneceu residindo. Aqui não há que se falar em divisão do valor inclusive do condomínio, uma vez que apenas uma das partes irá usufruir dos benefícios oferecidos por este.
Vale lembrar ainda, que as despesas inerentes a conservação do imóvel também deverão ser mantidas pela parte que permaneceu residindo no mesmo, como conservação da pintura, janelas, portas, lâmpadas etc…
Agora em relação as despesas que existirem por questões estruturais do próprio bem, estas deverão ser divididas entre ambos os proprietários, ex-companheiros que hoje possuem este imóvel em condomínio. Um exemplo destas despesas estruturais são: rede elétrica, telhados, reformas, infiltrações etc…
O ALUGUEL COMO PENSÃO
Como você deve ter percebido a esta altura, aquele que deixou o imóvel, sendo igualmente proprietário do bem, tem o direito de receber parte do que seria estipulado de aluguel para aquele bem.
Indo mais além, nas hipóteses onde, após a separação existe a obrigatoriedade daquele que saiu do imóvel em pagar pensão alimentícia seja para o filho(a) que permaneceu residindo no bem ou mesmo para o(a) ex-companheiro(a), o valor do aluguel ou parte dele da qual tem direito, pode facilmente ser convertido em pensão na modalidade in natura, ou seja, integrar parte daquilo que seria devido financeiramente em função da pensão.
É importante destacar que a compensação do direito a parte do valor do aluguel como pensão alimentícia tem que ser determinada judicialmente, não podendo a parte simplesmente compensar estes valores sem que haja uma decisão judicial para isso, pois a falta de pagamento da pensão nos moldes determinados pelo juiz irá constituir o alimentante em mora podendo responder pelas penas do inadimplemento.
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